Capítulo 1


Capítulo 01
Sonho Adolescente

— Tem certeza que você ainda vai? — indagou a mulher, com a porta entreaberta.
Uma bufada e uma expressão de desagrado já foram suficientes para responder a pergunta, mas mesmo assim ela recebeu uma conclusão em palavras.
— Eu vou depois.
— Mas você é sempre tão organizado, tão metódico… Já estamos atrasados, e você ainda mal se trocou!
— Eu vou depois. Prometo.
E a porta se fechou, ainda que com um toque de dúvida.
Calem suspirou, observando estar sozinho no cômodo da casa. Já era noite, e a única luz que iluminava a sala era a da televisão, no mudo e com legendas. O frio clássico de Kalos o deixava mais confortável debaixo das cobertas, e dali não pretendia sair. Não naquele dia. Mas, afinal de contas, não se pode servir um bolo perfeitamente sem a cereja. Ou sem a cobertura onde a cereja fica em cima. Isso resumia o motivo pelo qual deveria ir.
Seus pais haviam acabado de sair arrumados, pouco antes da hora para o compromisso, e ele sequer havia se trocado. Uma cena em que não fazia sentido nenhum Calem ser o protagonista. A cara emburrada, no entanto, era uma característica  já de seu feitio, e ele cumpria com perfeição.
Checou o horário no relógio preso na parede, que indicava que ainda faltava meia hora para aquilo. Sua casa era linda, impecável, podia-se dizer. Não era a maior da família, mas ainda mantinha a beleza das mansões da família Windsor. Um lustre luxuoso pendia no teto, acima da cabeça do rapaz, quadros dos mais renomados pintores de Kalos.
O menino virou-se no sofá-cama em que estava deitado, tentando dormir, mas o peso na consciência não o permitia fazê-lo. Acabou optando por se levantar e enfrentar o problema de uma vez, afinal, de qualquer forma seria cobrado ainda naquela noite.
Trocou-se com agilidade, mas ainda sem deixar nenhum detalhe para trás. O Smoking ficou impecável, e penteou seus cabelos castanhos com o máximo de cuidado, não deixando nenhum fio fora do lugar. Apenas alguns detalhes, e estava pronto. Exatamente na hora.
Sua família toda morava em um conjunto de casas, que poderiam ser melhor descritas como “casarões”. A família Windsor era uma das mais ricas e poderosas de Kalos, e viviam dentro de um verdadeiro reino, uma cidade inteira para eles, apenas de mansões interligadas. Sequer precisavam sair de sua moradia, visto que tinham tudo o que precisavam lá. E isso incluia um salão de festas imenso.
O tempo estava propício para um evento daquele porte. Para muitos estaria um pouco frio, mas para aqueles já acostumados com o clima de Kalos, estava tudo normal. O céu continuava estrelado, embora não se comparasse à visão que se tinha direto da natureza. Lá, o céu não era tão belo, mas era o único que tinham.
Chegou lá, e todos ainda esperavam, o que era surpreendente, já que estava consideravelmente atrasado. Sua família estava lá, o que era óbvio, já que moravam a maioria no mesmo lugar. Alguns parentes de fora também estavam lá, todos vestidos de forma elegante, conversando como verdadeiros lordes, cheios de pose. Empregados rodeavam o ambiente para cumprirem suas respectivas funções. Como pessoas que se viam todos os dias tinham assunto Calem não sabia responder.
Uma decoração impecável, de tons claros, principalmente voltados para o rosa e para o prata. Mesas organizadas, um salão em perfeito estado, mesmo sendo usado em raras ocasiões. Uma orquestra tocando em um ritmo tranquilo, apenas para deixar o ambiente mais confortável ainda.
Ninguém notou que o rapaz se aproximava, principalmente quando a orquestra começou a mudar o ritmo da música, e todos focaram seus olhares em uma escadaria encaracolada no centro, vendo que o momento chegara.
Passos sutis ecoaram com o tamanco batendo nos degraus, um a um, e já era possível ver um vestido lindo de tons róseos que se arrastava conforme o andar da moça. Seu andar era delicado, como de uma garota, mas com a pose de uma mulher.
Cada vez mais a figura descia, encantando os presentes com o lindo traje. Já era possível ver um par de mãos com unhas impecáveis azuladas escorrengando pelo corrimão com leveza, acompanhando o ritmo apaixonado da música.
Lá havia uma garota de rosto angelical. Maquiada da maneira perfeita sem pecar na falta ou no excesso, sequer era preciso embelezá-la desta forma, pois já era linda. Um rosto cheinho na medida certa, olhos expressivos esverdeados, como duas esmeraldas muito bem lapidadas que reluziam com os flashes emandados pelas câmeras. Cabelos louros que lhe desciam os ombros como cascatas de ouro escorrendo, e brilhavam refletindo a luz da lua. Mas o mais belo em si era seu sorriso, capaz de roubar o brilho daquela noite.



E ainda tinha a pose e delicadeza de uma... Princesa.
Todos aplaudiram sua chegada, mas ela apenas sorriu e fez gestos de agradecimento para os presentes com doçura. Era  humilde, acima de tudo. Pacote completo. Alguns dos parentes a deram os parabéns por aquela data tão especial. Afinal, todos sabiam que era um dia memorável apenas pela placa.

FELIZ 15 ANOS, SERENA!

          Uma festa de quinze anos com toda a pompa, por insistência de sua família. Afinal, agora estava se tornando uma mulher formada, que levaria os negócios da família para o futuro. Fotógrafos transitavam, tirando fotos da aniversariante, conforme pedido. Não tinham dificuldades, pois era como se a câmera a adorasse, e saísse bem naturalmente com aquele sorriso brilhante em qualquer pose
Calem localizou seus pais e sentou-se na mesa com eles, desanimado, não se esforçando para fazer uma cara menos desagradada. Encontrou os mínimos erros na decoração do ambiente como passatempo, e logo a aniversariante veio cumprimentá-lo. Ele não conseguiu retribuir sua felicidade.
— Calem… Primo… Você veio… — ela sorriu.
— Olá, Serena. — respondeu. — Seria ilógico faltar a um evento no qual você tagarela em meu ouvido há quinze anos sendo que somos vizinhos.
Recebeu uma cotovelada da mãe, e tentou disfarçar, muito embora fosse da natureza do garoto tal nível de sinceridade. Alguns não apreciavam, mas ele era do tipo que não se importava com isso. O importante era que a verdade fosse dita e os erros concertados. A prima deu uma risada simpática, acostumada.
— Obrigado pela presença, de qualquer forma. — concluiu. — E… Você não esqueceu daquilo, certo?
Ele se incomodou.
— Acho que minha frase dita anteriormente se enquadra bem aqui. — respondeu diretamente. — Não haveria como esquecer.
Serena tentou rir, mas a voz não saiu. Era algo importante demais para disfarçar, e se sua educação e respeito não fossem tão fortes, certamente teria chacoalhado o garoto até que falasse o que ela tanto queria ouvir. Muita coisa estava em jogo.

— Serena, querida, venha aqui tirar uma foto! — pediu uma das tias, recebendo um aceno positivo.

A garota voltou seu olhar novamente para Calem, sussurrando um “pense com carinho” e saiu, tomando o cuidado para o vestido não ir limpando o chão do salão. Calem suspirou de maneira singular, como só ele era capaz de fazer sempre que se irritava ou estava desapontado. Pelo visto sua noite não estava poupada de encontros desconfortantes.

Um senhor se aproximou dele, remexendo o vinho de dentro de sua taça e com pose de um verdadeiro lorde. Cumprimentou o garoto e seus pais, fitando toda a decoração da festa e lançando um sorriso de satisfação ao checar a aparência linda de Serena A festa estava sendo um sucesso, e a aniversariante era a estrela daquela noite.

 — O que está achando da festa? — indagou, provando de seu vinho.

— Eu retiraria meu chapéu a você se eu usasse chapéu. — admitiu o garoto. — Valeu a pena planejar esse evento por quinze anos, certo?

— Certíssimo. Serena não fez questão de uma festa de tal magnitude, mas fiz questão de fazer um evento, no mínimo, histórico para minha princesa. — o homem se gabou, endireitando a gravata. — Afinal, jamais poderíamos fazer algo simples e imaginável.

Stevan Windsor era o mais rico dentre os cinco irmãos que viviam em Vaniville Town, e basicamente haviam comprado a cidade inteira e construído um conjunto de mansões que se interligavam. Este era o pai de Serena, tio de Calem. Um dos mais ricos de todos os parentes.

— Suponho que saiba do por que de minha filha estar tão aflita para com você. — bebericou mais um pouco, recebendo mais um dos suspiros do sobrinho.

— Impossível não saber quando se é lembrado a cada hora de cada dia de cada ano de sua vida. — resmungou. — Apenas vejo, com todo o respeito, uma decisão totalmente sem nexo, já que sequer tenho relação com o desejo dela.

Stevan ouviu, mas permaneceu quieto, aguardando que a situação se voltasse e ele saísse por cima, como já era de costume. Depois de tantas riquezas, você passa a achar que o mundo tende a mudar conforme você gostaria, e as pessoas mudarem suas ideias para agradá-lo.

— Tens dinheiro mais que suficiente para contratar qualquer segurança de Kalos. —prosseguiu o jovem. — Então me pergunto qual minha função por aqui. É apenas essa a minha dúvida, tio. É apenas isso que nunca fez e nunca fará sentido.

— Sabe, jovem — começou. — dinheiro compra material, mas não compra confiança ou segurança. Nunca se pode ter total certeza de algo que se obteve com pedaços de papel, principalmente se comprar algo vindo de uma pessoa.

— Estes pedaços de papel construíram sua vida.

— De qualquer forma, não estou disposto a permitir que Serena esteja acompanhada de alguém que não seja de confiança, ou que não seja você. — brincou ironicamente. — Também não sou apaixonado por esta ideia maluca de minha filha, mas promessa é promessa, e foi o que prometi. É claro, se eu for convencido amanhã.

Calem cruzou os braços.

— Prometeu algo por outra pessoa? — indagou. — No caso, por mim.

Stevan pigarreou e ajeitou seu terno, aproximando os lábios do ouvido do sobrinho, que tremeu. Calem ouviu uma voz silenciosa, mas carregando ódio e segurança capazes de fazê-lo ficar em silêncio, o que não era seu costume.

— Não iremos brigar neste evento tão importante para Serena. Amanhã esteja presente em meu escritório, e vamos decidir isso de uma vez por todas. — e saiu com passos tranquilos, para buscar mais vinho.

Calem viu a felicidade da prima naquele evento tão importante, e se sentiu culpado por não poder compartilhar a mesma felicidade. Tentou seguir o conselho do tio, mesmo não gostando, e observou o céu estrelado que se estendi até onde seus olhos alcançassem. Até onde eles ainda iriam alcançar?


[...]

Já era tarde madrugada quando a festa acabou. Serena estava completamente exausta, deitada em sua cama,  agora vestindo um pijama confortável, feito de uma das melhores malhas de todas, como já era de se esperar. Ela puxou a gaveta do criado mudo ao lado da cama e pegou um humilde caderninho com uma capa básica de cor coral, e puxou uma caneta estilizada com plumas no topo.

Seu traço era inocente, letras arredondadas e corações no lugar dos pingos dos “is”. Começou com uma saudação, e sua escrita tornou a fluir conforme as palavras saíam da ponta da caneta para serem registrados em um verdadeiro santuário de Serena, que para alguns poderia ser visto como um simples caderno. Entre os parágrafos escritos, os últimos foram enfatizados e relidos antes de fechar o caderno e dormir para ter uma noite descansada. Afinal, o dia seguinte seria importante.

Hoje foi um dos melhores dias da minha vida, um dia que esperei muito, e que acho que muitas garotas esperam quando é com elas. Eu quero dias melhores, mas não como esse. Quero dias melhores não por seguir os mesmos passos, e sim, por serem totalmente diferentes.

Amanhã será tomada uma decisão importantíssima, e espero que ela vá para o meu lado. Porque, conforme já disse inúmeras vezes aqui, esta princesa já está morta por dentro de tanto aguardar um final feliz.

Que dias melhores venham                 
                            

Serena