Capítulo 19
Curioso Destino
Após do temporal do dia anterior, o céu no litoral de Kalos mostrava-se em um tom de azul vivo, com pouquíssimas nuvens dispersas, quase que como pedaços de algodão derrubados acidentalmente em uma malha azulada. Winguls voavam pelas alturas, planando com o vento e emitindo ruídos que pareciam uma música descompassada. Uma brisa fresca soprava levantando o aroma da maresia e balançando as folhas das árvores típicas da costa da região.
O clima estava discretamente mais quente que nos dias anteriores. Não sabiam se era devido à mudança de localização – uma vez que a área litorânea de Kalos tinha um clima ligeiramente mais aquecido e úmido. – ou apenas uma coincidência. Após pagar as despesas do hotel, o trio preparou-se para deixar Ambrette. A cidade era acolhedora e interessante, mas só pesquisadores ou pescadores – o que não era o caso de nenhum dos três – tinham reais motivos pelos quais permanecer naquela localidade.
Lembrando-se do dia anterior, Calem pediu para que dessem uma rápida passada no Laboratório de Fósseis de Ambrette. O rapaz havia feito uma visita pouco depois do ocorrido com Serena, o qual evitaram comentar desde o dia anterior. Ao tocarem uma campainha, a porta da frente abriu-se automaticamente com um comando.
Um piso branco e liso impecável estendia-se por todo o espaço, só terminando onde levantavam-se paredes igualmente esbranquiçadas, geralmente com alguns certificados e quadros informativos pendurados de maneira uniforme. Havia uma televisão ligada a um canal de notícias, e ar condicionado para reduzir a temperatura do ambiente. Todo o conjunto dava a imagem de um espaço limpo de tudo, até mesmo de personalidade própria.
Uma senhora de meia idade trabalhava na recepção, por trás de um balcão. Havia portas que levavam a corredores e salas restritas, e algumas rochas envolvidas por vidro – indicando que tinham certo valor. – ornamentando o espaço.
— Olá, — disse Calem à senhora. — o senhor Cuvier pediu que eu viesse vê-lo hoje, depois…
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, um senhor baixo abriu uma das portas, de forma empolgada, enquanto ajeitava seus óculos com a outra mão.
— Calem, que bom que voltou!
Serena aproveitou o momento para checar as preciosidades expostas no lugar. Se em um primeiro olhar pareciam ser apenas pedras quaisquer, após uma observação mais apurada era possível notar como tinham características peculiares. As placas mostravam que haviam sido retiradas de diversos lugares: desde cavernas espalhadas por Kalos e outras regiões a meteoros provindos de áreas longínquas e desconhecidas do espaço.
— O que é isso? — perguntou o garoto, quando lhe fora oferecida uma Pokébola.
O pesquisador riu.
— Há algumas décadas pesquisadores descobriram uma técnica fantástica. — explicou. — Através de fósseis, é possível mapear o genoma de algumas criaturas já extintas… E com os equipamentos certos, somos capazes de trazê-los de volta à vida!
Até mesmo a menina virou-se, espantada.
— Trazer Pokémons de volta à vida? — perguntou ela.
— Sim, sim! — concordou ele, animado. — Não é incrível? Com isso estamos conseguindo desvendar como as espécies mais recentes foram formadas.
Ele mostrou desenhos pendurados na parede contendo a fisiologia de algumas criaturas primitivas.
— Em Kalos já conseguimos recuperar duas espécies. Mas ainda há algumas outras descobertas por outros pesquisadores.
Os garotos ficaram boquiabertos e empolgados com a ideia. Era tão louco imaginar aquilo que parecia até mesmo um filme de ficção científica.
— Aí dentro tem uma dessas criaturas. — falou, apontando para a Pokébola que anteriormente entregou a Calem. — A mesma que deixou vestígios no fóssil que lhe entreguei.
O garoto estendeu a Pokébola, liberando a criatura, estranhamente ansioso. Um feixe de luz branca formou a silhueta de uma criatura de cerca de um metro. Tinha uma aparência draconiana, coberto por escamas que mais assemelhavam-se a placas, duras e resistentes. As patas dianteiras eram diminutas, contraídas em direção a seu peito. O mais chamativo era sua enorme mandíbula, com dentes enormes que indicavam ser um carnívoro pré-histórico - dentes maiores e até mais agressivos que outras criaturas de origem mais recente. O olhar reptiliano vasculhou o local, examinando tudo com um ar de desconfiança.
Serena imaginou como seria isso. Acordar, de repente, e descobrir que se passaram milhares de anos e que o mundo agora estava completamente diferente. Talvez fosse assim que o Pokémon se sentia. Calem retornou o Pokémon à esfera e agradeceu diversas vezes o senhor Cuvier, que ficou contente também em presentear um garoto interessado pela hsitória. Ficaram por mais alguns momentos falando sobre assuntos que Charlie e Serena não entenderam, e logo se despediram.
Seguindo pelo solo rochoso de Ambrette, aos poucos desceram uma escadaria que era indicada por uma placa, alertando que o caminho seguinte levaria à Rota 8. Se antes vieram pela parte superior daquele trajeto, agora experimentariam a parte inferior, toda composta por areia. Ao final do longo caminho, estaria Cyllage.
O som das ondas era agora mais próximo que nunca. Charlie sugeriu que tirassem seus calçados para caminhar, bem como os dois garotos prepararam-se naquele dia usando bermudas, para não se sujarem muito. O garoto seguiu na frente, chamando por Serena, e Calem ia por último, usando um chinelo que comprara especialmente para a ocasião, preferindo isso a caminhar descalço.
— Pronta para caminhar na praia? — convidou-lhe Charlie, já tendo descido as escadas e esperando pela garota embaixo.
A menina desceu com passos rápidos, saltitando os pés nus pela pedra das escadas. Por fim, chegou à areia, sentindo algo como nunca antes. O solo segurou o impacto de seu pé quase que com suavidade, os mínimos grãozinhos fazendo o contorno de todos os seus dedos, em um misto de cócegas e carinho. A cada passo percebia a areia tornando seus movimentos mais confortáveis e reconfortantes. Ela abriu os braços, sentindo uma brisa úmida de liberdade balançar seus cabelos, enquanto as ondas, antes agressivas, abrandavam-se ao chegar na costa, quase que como um beijo suave na areia, onde derramavam suas espumas.
— Essa é a melhor sensação do mundo. — disse, com os olhos fechados, deixando-se tomar pelos seus outros sentidos.
Seu primo descia as escadas logo atrás, não muito convicto. Quando pisou na areia, ficou assim parado. Foi acometido pela incerteza, pois o solo já não era mais firme, parecia brincar com seus pés, o fazendo andar de maneira esquisita para se manter sem cair. Por outro lado, não podia negar que sentia um estranho conforto em pisar naquela areia fofa, liberto. O som das águas também lhe dava um dúbio prazer.
— Venha molhar os pés. — sugeriu Charlie à garota.
Serena ria, seguindo o rapaz. A areia fofa e aquecida logo mudou quando se aproximou do mar, agora ficando mais rígida e pegajosa. A umidade fazia com que seus pés afundassem em um solo lodoso e esquisito, no qual ela sentiu um arrepio gostoso. Uma onda lambeu a praia, molhando seus pés subitamente com o líquido gelado e salgado. Ela não conteve uma exclamação de satisfação quando isso ocorreu.
— Charlie, como eu vivi a minha vida toda sem isso?! — indagou ela, alto.
Ele se aproximou dela, fazendo-lhe cócegas.
— Não sei, princesa. — disse, sorrindo. — Mas agora toda essa imensidão azul é sua. — e abriu os braços, abrangendo todo o oceano.
Ela sorriu. Um sorriso sincero de uma criança que ganhava um presente que há muito desejava.
— Cal, vem molhar os pés! — convidou ela.
— Hm, obrigado, já está desconfortável o suficiente por aqui. — respondeu ele, ranzinza.
— Pare de ser chato, “Cal”. — provocou Charlie. — Molhar os pés não vai matar você.
Ele fez um olhar de desprezo.
— Quero ver você dizer isso quando um Sharpedo aparecer e o abocanhar.
— Sharpedos não nadam próximos da areia.
— É o que todos que foram mordidos disseram antes do ataque. — retorquiu.
Charlie deu de ombros. Serena encheu as mãos com água e jogou no garoto, que lançou um olhar fuzilante.
— Serena, — falou, sem mover qualquer parte do corpo que não os olhos e a boca, incomodadíssimo. — você não fez isso.
— Se não gostou, é só fazer o mesmo. — provocou ela.
O outro menino fez um barulho para alimentar a briga, aumentando as provocações. Calem bateu as roupas onde foi molhado.
— Você sabe que o mar é uma caixa gigante de sal e dejetos, não sabe?
— Dejetos. — falou a garota, jogando água nele novamente.
A menina fez o inesperado e tirou seu chapéu, jogando para o primo. Em seguida ameaçou tirar a regata que vestia, fazendo-o se assustar.
— O que você pensa que está fazendo?! — indagou.
— Calma, primo, eu coloquei um maiô por baixo. — tranquilizou-o. — Comprei ontem em Ambrette.
A garota revelou um tecido grosso e elástico de tons róseos por baixo de sua roupa. Tirou primeiro a camiseta e em seguida abaixou sua saia. Charlie evitava olhar para dar privacidade à garota, mas não conseguia conter uma ponta de curiosidade. Serena tinha pernas alvas, que contrastavam com o rosa do maiô que desenhava a sua silhueta. A menina não tinha um corpo curvilíneo desses que se esperava em uma capa de revista, mas particularmente não se importava. Tinha uma cintura afinada, e quadris mais largos. O amigo pareceu hipnotizado por um momento, mas ela sequer reparou. Soltou totalmente seu cabelo, permitindo que os fios louros dançassem com o vento e lhe recaíssem sobre as costas pálidas de quem nunca tomara sol em uma praia antes.
— Você vem comigo? — perguntou inocentemente a Charlie, estendendo-lhe a mão.
O garoto acordou do transe, ficando levemente corado, mas a garota não parecia ter notado. Deu-lhe a mão de volta, em seguida.
— Princesa, tem certeza que é uma boa ideia? — questionou de volta. — Digo, você é uma boa nadadora?
— Na verdade não. — respondeu, um pouco encabulada. — Mas prometo não ir muito longe.
Charlie concordou com a cabeça, mas preferiu ficar na beirada. Não que não apreciasse o mar, mas alguém precisava ficar com as coisas de Serena enquanto ela se divertia, e inclusive preferia supervisioná-la de longe, como um adulto fazia com uma criança. E Calem estava ocupado demais tentando lidar com a realidade naquele momento.
— Serena, se você começar a se afogar eu já aviso que não vou pular nessa água para salvá-la. — alertou o primo.
A menina fingiu não escutar e continuou avançando. As ondas, apesar de suaves, quebravam-se em seu corpo, molhando-a. Ela soltava alguns gritos quando acontecia, parte de felicidade, parte de frio. Mesmo com a temperatura levemente mais quente naquele dia, Kalos ainda era consideravelmente fria, e as águas mostravam isso.
Alguns passos para frente. Devagar. A areia se mexia com a água, levantando grãos que brincavam em seus pés, causando cócegas. Estava tão cristalina que podia enxergar os próprios pés. Ela atirou-se para frente e tentou nadar, enfiando a cabeça por baixo de uma onda, sentindo a água cobrir sua cabeça. Era como estar em uma banheira, mas várias vezes melhor. Calem discordaria.
— Princesa, tome cuidado. — gritou Charlie, ao longe. — Pode parecer que não está tão longe, mas o mar é imprevisível. Ele puxa.
Ela concordou com a cabeça, mas não pareceu se importar muito. Calem, enquanto isso, tirava seu abrigo, suando levemente com o caminhar sobre o sol. A garota nadava de um lado para o outro, tão empolgada que sequer tinha tempo para se preocupar com os avisos de Charlie, que ficavam mais frequentes.
De repente, em questão de segundos, aproximou-se uma onda, que a puxou com força para trás. Sem ter como lutar contra a correnteza, tentou apoiar-se no chão, mas deu um piso em falso que a assustou. Devia ter sido arrastada para um buraco. Instantes que mudam uma vida para sempre.
A garota começou a bater os braços sem ter que fazer, sem ar suficiente para chamar por alguém, nem forças para fugir da correnteza que a puxava cada vez mais para o fundo. O desespero tomou conta de si, e viu a costa parecer cada vez mais distante, enquanto a água fria lhe atacava na visão e puxava pelo pé.
Percebendo a mudança no comportamento da garota, Charlie jogou as coisas no chão, ficando desesperado. Preparou-se para correr, quando Calem tocou-lhe no ombro.
— Ela está em perigo! — falou Charlie, tirando a mão do rapaz de forma agressiva.
— E o que você vai fazer? Vai acabar igual ela! — Calem o puxou de novo.
— Eu sei nadar, Calem! Estamos perdendo tempo! — gritou.
A praia estava praticamente vazia. Havia pessoas, principalmente treinadores jovens, longes demais para serem chamados. Exceto por uma dupla, que caminhava na areia. A garota, de cabelos ruivos e curtos, trazia sua costumeira blusa, mas amarrada na cintura, e carregava nas mãos seus tênis, permitindo que andasse descalça. O garoto ao seu lado, consideravelmente mais alto, tinha um olhar um pouco decepcionado no rosto.
— Eu disse que ainda assim fazia frio, — dizia ela, ajeitando os óculos — mas você nã…
Ele a silenciou por um momento, apontando para longe. Via um pequeno borrão na água, em uma profundidade que não parecia recomendável. Braços se debatiam na água.
— O que é aquilo? — perguntou ele.
A garota semicerrou os olhos enquanto ajeitava os óculos, tentando enxergar.
— Parece que tem alguém se afogando. — exclamou, puxando um aparelho eletrônico de sua bolsa de forma ágil após se dar conta do que dissera. — Ó, céus, preciso ligar para uma ambulância…
— Não vão chegar a tempo. — disse o rapaz, jogando suas coisas – mochila, calçados e Pokébolas. – na areia.
— E o que a gente faz? Nada até lá? — antes que a pergunta realmente se mostrasse perceptivelmente retórica, o rapaz já estava longe, correndo. — Ah, claro, óbvio.
O garoto correu como um relâmpago, os pés não se abalando pela areia. Passou pelas ondas quebrando na beirada, jogando água para todos os lados. Calem e Charlie, que discutiam, ouviram o som de alguém se aproximando com as gotas espirrando. Deslizaram os olhos e viram um garoto passar tão rápido que quase o perderam de vista. Ele não corria com dificuldades na água, e após atingir certa profundidade, mergulhou de cabeça quase como um Pokémon aquático em seu habitat.
Deslizando pelas águas de maneira magistral, ele logo aproximou-se de Serena. A garota, que já estava exausta de tentar gritar e nadar – ambas sem sucesso. – sequer estava totalmente consciente. O menino a puxou por um braço e depositou de forma ágil e perspicaz o peso em seus próprios ombros. Em seguida, venceu a correnteza, conseguindo voltar em direção à praia.
Charlie deu um pisão no solo, quando sentiu algo mais consistente que o solo. Viu algo enterrado. Jogou algumas camadas de areia para fora e encontrou uma placa. Bem grande estava gravado: PERIGO, PISO IRREGULAR. EVITAR NADAR NESSA DIREÇÃO. Talvez a tempestade do dia anterior tivesse a derrubado. Era uma legítima falta de sorte não terem visto antes.
Naquele momento a menina de cabelos ruivos já se aproximava dos dois garotos, mas antes que qualquer diálogo fosse iniciado, o terceiro rapaz apareceu, tão perto da beira que jogou Serena em seu colo sem grandes dificuldades. Charlie aproximou-se para ajudar, mas logo se afastou ao perceber que o garoto tinha tudo sob controle.
Colocou a menina com cuidado na areia, e todos se dispuseram em volta dela instintivamente. O rapaz estava extremamente ofegante pela corrida e pelo nado, mas colocou seu ouvido no peito da menina. Ouvindo uma resposta, fez uma massagem em seu corpo para tentar expulsar a água. Calem dizia coisas um tanto sem nexo, e a menina fazia perguntas. Charlie apenas observava.
Você não sabe quanto tempo há em alguns segundos até que eles mudem sua vida. Foram tão rápidos, mas da mesma forma, passaram em câmera lenta. Segundos que serviriam para Serena pudesse ter sua vida mudada para sempre. E se eu não tivesse dado ouvidos ao Calem e corresse na frente? Quem era aquele garoto? Por que eu estava ali, parado, impotente, apenas esperando que tudo desse certo no final?
Você não sabe quanto tempo há em alguns segundos até que eles mudem sua vida. Foram tão rápidos, mas da mesma forma, passaram em câmera lenta. Segundos que serviriam para Serena pudesse ter sua vida mudada para sempre. E se eu não tivesse dado ouvidos ao Calem e corresse na frente? Quem era aquele garoto? Por que eu estava ali, parado, impotente, apenas esperando que tudo desse certo no final?
Passados alguns instantes, a garota sugeriu que tentassem fazer respiração boca-a-boca. Todos os garotos ficaram corados, mas o salvador compreendera que era uma questão talvez de vida ou morte. Encarou a garota deitada, e só então percebeu como era bonita. A pele estava mais pálida que o usual, mas seus cabelos molhados se espalhavam pela areia, como uma sereia. Seus lábios estavam secos, mas pareciam macios. O rapaz aproximou-se dela, o coração palpitando como nunca antes em toda a sua vida. A ruiva acelerava o processo, mas ele já não a ouvia mais. Charlie e Calem tinham insegurança e reprovação no olhar. Especialmente Charlie. Ele avançou, cada vez um centímetro mais perto. Faltava pouco.
Sentiu um empurrão quando Serena se levantou em um impulso, tossindo e soltando água que havia engolido acidentalmente. Ela levou alguns segundos para retomar consciência. Só então conseguiu focalizar seus grandes olhos azuis em um rapaz arqueado à sua frente. Ele parecia constrangido. Tinha olhos cor de mel profundos e aventureiros, mas que naquele momento esboçavam dúvida e surpresa. Os cabelos, pretos, estavam mais bagunçados que nunca, molhados, escorrendo água por sua pele escura e brilhante. Todas as suas vestes estavam encharcadas, colantes no corpo esguio do rapaz. Ele a contornava com os braços, quase que como uma proteção. Estavam extremamente próximos. Ambos coraram.
— D-desculpa, eu achei que tu não tava bem, ia…
O garoto então levantou-se, envergonhado. Serena respirava fundo agora que podia, e vez ou outra cuspia água ao seu lado. Charlie, na primeira oportunidade, abaixou-se e seguro sua mão. Ela recostou a cabeça no amigo, agora sã e salva. A menina de cabelos ruivos a chamou.
— Está tudo bem? — perguntou.
Ela tentou olhá-la, mas estava de pé. O sol estava forte demais para focalizar nela.
— Acho que sim. — disse, mas a voz frágil falou por si só. — Quem é você?
O garoto novo voltou a aproximar-se dela, sorridente.
— Meu nome é Mikala. — disse, fazendo um gesto curioso com os braços. — Essa é Ashley.
A ruiva acenou para ela. A outra acenou de volta.
— Serena. — introduziu-se. — Esse é o Calem, meu primo, e nosso amigo Charlie.
Feitas as apresentações, ficaram por um momento em silêncio. Charlie queria falar muitas coisas, mas era como se não encontrasse palavras boas o suficiente para isso. Calem, de certo modo, também se sentia assim. Talvez impotente seria a palavra. Mas por que se sentir assim, se a menina já estava bem?
— Garota, tem certeza que está tudo bem? — perguntou Ashley. — Eu posso chamar algum médico, se você precisar.
— Não, está tudo bem sim. — respondeu de prontidão. — Só preciso de um minuto.
— Princesa, você quase nos matou do coração. — foi tudo o que Charlie conseguiu dizer, por mais óbvio que parecesse.
O garoto então se levantou. Deixaram Serena sentada um pouco, retomando o oxigênio que quase não conseguira mais inspirar. Calem cruzou os braços pálidos, com um sorriso de canto.
— Arriscado você sair pulando na água para salvar os outros. — comentou, ainda que estivesse agradecido.
— Ah, eu que sempre ajudava meus maninhos mais novos quando eles tentavam surfar. — disse Mikala com simplicidade. — O mar aqui é tranquilo se comparar com onde a gente nadava.
— Você surfa? — Serena perguntou, admirada.
Ele olhou para a ela, revelando um sorriso brilhante e sincero.
— Gosto bastante. — respondeu. — E tu, guria?
— Não, na verdade eu mal sabia nadar. — ela riu. — Por isso que, né, quase me afoguei. Acho que também não nadarei tão cedo de novo.
Ele fez um gesto com a mão.
— Imagina, foi só um caldo. Daqui a pouco tá pronta pra próxima onda. — comentou com simplicidade. A menina sorriu.
—Você não é daqui, é?
— Eu sou de Alola. — respondeu. — Conhece?
— Isso é bem longe. — interveio Calem, um pouco surpreso.
— Por que alguém viria de Alola até aqui? — questionou Charlie.
— Perguntei a mesma coisa. — adicionou Ashley, compreendida.
Mikala arqueou as sobrancelhas.
— Eu vim disputar a Liga. — explicou.
— Sério? — Serena se empolgou. — Meu primo também é um treinador.
Os rapazes trocaram olhares e acenaram com a cabeça, mas não disseram nada. Ashley continuou;
— Estávamos em Cyllage. Ele ia lutar contra o líder, mas resolveu que a praia era mais importante. — falou com certa amargura em seu tom. — Agora temos que voltar, antes que volte a ficar tarde.
— Nós também estávamos indo para lá. — comentou a outra menina. — Por que vocês não voltam com a gente?
Todos se entreolharam. Como ninguém se opôs, - apesar de também não concordarem. - tomaram como uma confirmação unânime. Serena levantou com a ajuda de Charlie, respirando fundo, já pronta para continuar o trajeto. Foi caminhando na frente, ainda que a passos lentos, acompanhada pelo novo amigo, ambos conversando e brincando. Um pouco atrás, Charlie, Calem e Ashley pareciam supervisioná-los, como crianças.
— E você, moça, é treinadora também? — indagou Charlie à ruiva.
— Não, não. — disse ela em resposta. — Sou uma pesquisadora. Estou indo para Geosenge, mas meu senso moral disse para acompanhar o menino aqui em Cyllage. — explicou.
— Interessante seu senso moral.
— Ele se chama Hazel na verdade.
— É um bom nome.
A garota deu uma risadinha.
— Tenho tentado ajuda-lo, digamos, à minha forma. — falou ela. — Mas ele está completamente deslocado. Não sei como funcionava na região dele, mas aqui tudo é bem diferente.
Calem balançou a cabeça.
— E você não pode orientá-lo?
— Eu não sou lá uma pessoa muito paciente. — sorriu. — Nem muito entusiasta de batalhas.
— Por quê? — questionou Calem, sério.
A garota observou as ondas se formando ao longe.
— Acho que elas já deram no que tinha que dar.
Calem ponderou por alguns segundos, em seguida dando seu veredicto:
— Interessante.
Ela teve um leve espanto.
— Sério? Normalmente eu sou muito julgada por causa disso.
— Por que eu iria julgar você? — perguntou, dando de ombros. — Me julgam porque eu normalmente não sou muito amável com Pokémons
— Um treinador que não gosta de Pokémon? Essa é nova para mim. — comentou ela.
— Julgamentos?
— Nenhum.
Após alguns passos em silêncio, os pés afundando na areia úmida, Charlie voltou a falar:
— Gostei de seu sotaque. De onde você é, princesa?
— Meu nome é Ashley. — repreendeu, de prontidão. — Sou de Castelia.
— Unova. — refletiu Calem.
Ela assentiu com a cabeça. Colocou seus óculos e ficou por alguns instantes a examinar Serena, em sua frente. Mikala jogava água na garota, que soltava um gritinho e o repreendia, jogando água de volta. Riam. A ruiva já sabia que os tinha visto de algum lugar:
— Vocês são da família Windsor. — murmurou.
Mikala se virou.
— Quem?
— Ninguém. — retorquiu Serena instantaneamente.
— Só uma das famílias mais importantes de Kalos. — disse Ashley, irônica. — Poderosos e influentes.
— Então vocês são tipo a família de um Kahuna? — questionou o rapaz tentando compreender.
— Hm… Não sei?
— Então vocês devem ser parentes de Stevan Windsor. — prosseguiu a ruiva.
Serena lançou um olhar sério para ela.
— É meu pai.
— Hm.
— Algum problema? — perguntou Calem.
— Nenhum. É que vez ou outra ele aparece nas notícias.
Voltaram a caminhar todos em silêncio. Era bem verdade. Stevan frequentemente aparecia em colunas sociais de jornais e revistas, falando sobre seus investimentos ou da própria família, como se apresentando os bastidores, mas sem falar muito, sempre muito discreto e conservador.
— Tu é bem famosa então. — comentou Mikala para a garota, sorrindo.
— Isso não tem nada a ver. — falou, tímida. — Esquece que alguém disse isso.
— Tu não gosta da sua família?
— Gosto, mas as pessoas pensam em nos tratar diferente por causa disso. Eu não gosto disso, sabe? Eu sou uma menina igual a qualquer outra de Kalos. — explicou, um pouco dengosa.
— Tu não é igual as outras garotas. — ele rebateu. — Nunca vi ninguém igual a você.
Ela sorriu.
— Você fala engraçado.
— Eu, é? — cruzou os braços. — Tu que fala mais rápido e com a boca quase fechada.
— Eu falo normal. — ela se defendeu.
— Você que pensa!
Os dois riram, e foram mais próximos da água, molhando as canelas. Logo mais sentaram-se todos e Calem ofereceu alguns lanches que carregavam com eles. Traziam sempre em excesso, por garantia. Em determinado momento acabaram preferindo ficar ali, sentados sobre a areia apenas observando as águas irem de encontro à terra. Ao olhar para cima, a formação rochosa que atravessaram alguns dias antes se estendia, imponente. Cyllage já estava próxima.
...
— Vocês estiveram em Ambrette? — perguntou Ashley.
Calem concordou.
— Passamos por lá.
— É uma cidade interessante. — falou, tocando o queixo. — Foram à Glittering Cave? É parada obrigatória.
Calem e Charlie entreolharam-se, lembrando dos ocorridos anteriores, desde a corrida de Rhyhorn ao temporal que os forçou a continuar uma busca que não trouxe resultados.
— Tivemos o prazer. — assentiu Calem. — É uma caverna curiosa.
— Curiosa? Estamos falando de minerais e seres capazes de sintetizar luz! Vestígios de vida ancestral gravados em rochas! Um ossuário histórico! — disse a ruiva com brilho no olhar. — É no mínimo fenomenal.
Mikala e Serena contaram alguma piadinha um para o outro naquele momento, cochichando, e riram ambos. Charlie, que os observava, interveio em um tom amargo:
— Não, são pedras que brilham, restos de Pokémon e ossos humanos empilhados. Isso é apenas curioso.
Todos ficaram em silêncio momentaneamente notando o tom de voz ligeiramente exaltado do rapaz, que extinguiu o interesse que havia de continuar o assunto. Ele sentiu-se envergonhado, mas nada disse.
— Charles, — murmurou Calem. — diz um velho ditado, que se você não tem nada de bom a acrescentar, é melhor em silêncio.
— Você poderia seguir seu próprio conselho, né?
Ele achou a resposta justa e ficou em silêncio também.
— Por que não leva seu amigo até Ambrette? — sugeriu Calem à garota. — Ele iria curtir essa coisa toda de montar em Pokémons pra ir até a caverna.
Mikala virou-se empolgado:
— Montar em Pokémons?
— Aqui em Kalos são bem famosos os torneios de corrida, principalmente em Rhyhorns. — comentou Calem, como se sentindo a necessidade de situar o garoto. — Então gostam de colocar alguns para a gente montar em certos lugares, tipo Ambrette ou os Gogoats de Lumiose.
— A gente tem uma tia que é medalhista de corrida em Rhyhorns, não é, Cal? — adicionou Serena, empolgada.
— Caraca, eu também adoro fazer isso! — concordou o menino.
Charlie deu um olhar de desconfiança.
— Você monta em Pokémons? — indagou. — Em um Rhyhorn nervoso, pronto para atacar?
— Com um Rhyhorn nunca tentei, — admitiu ele. — mas já subi em um Tauros brabo que era uma coisa!
Vendo o clima que a conversa estava adquirindo, Calem voltou a tentar conversar com o novo viajante:
— E o que está achando de Kalos?
Ele coçou a cabeça e o encarou com seus olhos da cor do mel.
— Diferente. — comentou. — Ainda estou tentando me adaptar.
— Você já passou pelo Laboratório Pokémon? — indagou Serena.
Ele assentiu.
— O professor é muito firmeza. — comentou. — E me explicou algumas coisas básicas. Vocês são cheios de regras pra tudo, hein?
A garota deu uma risada.
— Ele me deu uma Pokédex. — falou, mostrando o aparelho. — Disse que os dados ainda estão sendo atualizados aos poucos. Mas já é de grande ajuda.
Em seguida, puxou uma Pokébola.
— E também me deixou escolher um parceiro. — girou a esfera em seu dedo com simplicidade. — Estamos treinando há uns dias e já estamos prontos para nosso primeiro desafio.
Calem concordou.
— Será meu segundo.
Ele abriu uma caixinha em sua bolsa. Era pequena, discreta, toda da cor preta. Dentro, depositava-se um símbolo, em um canto à esquerda. Um pequeno emblema, na forma de um inseto.
— Então isso é uma insígnia? — perguntou, intrigado. O outro se divertiu com sua empolgação.
— É a insígnia de Santalune, da líder Viola. — explicou.
Ele observou como uma criança. O pequeno emblema brilhava. Ele precisava de oito daquelas, para perseguir seu novo sonho de se tornar um mestre Pokémon.
— O que acha de uma batalha, Calem? — convidou.
O garoto fez um olhar esquisito.
— Agora?
Ele deu de ombros.
— Por que não?
— Assim, do nada?
— É, ué. — riu. — Somos ambos treinadores, né?
Calem olhou para sua prima, que o incentivou. Não estava muito certo daquilo, mas por fim concordou e aceitou o desafio. Os dois garotos levantaram-se e estenderam-se a certa distância. Mikala fez um gesto esquisito com as mãos, de forma que os outros se entreolhassem.
— Está tudo bem?
— Está. É um costume que tenho, gosto de pedir boas energias antes de uma batalha.
Calem concordou com a cabeça, embora ainda que com hesitação em seu olhar. O rapaz puxou uma Pokébola e lançou seu Larvitar, que saiu da esfera e saltou sobre a areia, afundando e levantando alguns grãos com o impacto. A areia era um ambiente onde Larvitar sabia como lidar bem, levando em conta que alguns de sua espécie viviam em desertos. Mikala puxou a Pokédex, com a excitação de um garoto de dez anos que acabava de sair em uma jornada.
— Caramba! Que foda! — disse, após conferir os dados disponíveis do adversário. — Ele parece muito interessante.
O garoto puxou sua Pokébola antes exibida, a encarando por alguns momentos.
— Vamos lá, meu parceiro!
Ele jogou a esfera bicolor, que revelou o clássico feixe de luz branca, que aos poucos tomou forma de uma criatura baixa e quadrúpede. O corpo era reclinado para frente, onde patas dianteiras mais compridas o sustentavam, e pernas traseiras pareciam comprimidas, como uma mola. Tinha um tom vivo de azul, e uma linha imaginária do pescoço coberta por algo que parecia espuma, depositando-se principalmente nas costas. Era Froakie, o inicial do tipo aquático de Kalos.
— Que fofo! — exclamou Serena.
— Pode fazer o primeiro movimento. — anunciou Calem.
O adversário assentiu.
— Valeu. — disse. — Froakie, Bubble!
O Pokémon avançou e disparou um certeiro jato de bolhas, que atingiu Larvitar. Apesar das bolhas inocentemente irem dançando no ar, o ataque fora mais efetivo que Calem esperava, fazendo seu Pokémon fraquejar ao se ver em desvantagem. Froakie era, acima de tudo, ágil. Movimentava-se com saltos rápidos, tornando-se um alvo mais difícil de se atingir.
— Calem e um iniciante... — comentou Charlie.
— Não se engane, o garoto é um novato por aqui, mas já batalha há bastante tempo. — alertou Ashley, séria. — Ele é bom.
— Sandstorm e depois Ancient Power. — anunciou Calem.
Larvitar fez um movimento com o corpo, levantando uma quantidade de areia da praia para o alto, e dificultando a visão. Os rapazes afastaram-se com isso, enquanto Froakie tentava se recuperar. Aproveitando-se da deixa, o Pokémon atirou alguns pedregulhos na direção do sapo, que apesar de ter um tipo em vantagem, foi seriamente afetado pela sequência de golpes.
— Froakie, eu sei que você deve estar cansado, mas dê seu melhor! — pediu Mikala ao Pokémon.
Calem naquele momento hesitou. A forma com que seu adversário conversava com Froakie, mesmo durante a batalha, era curiosa. Seu tom era sincero, como de quem aconselhava um amigo e de fato se preocupava com o desempenho dele em combate. Mesmo quando solicitava um ataque, não soava como uma imposição, e sim como um pedido. Uma conexão que não parecia em nada com o que tinha com Larvitar.
O rapaz voltou para si quando ouviu sua prima gritando.
Froakie enfrentou a tempestade de areia com um Quick Attack que atingiu Larvitar em cheio. Apesar do peso do Pokémon, ele desequilibrou-se, caindo na água. Por mais que parecesse inofensiva, ela causava danos na armadura de pedra de Larvitar, como em qualquer outro Pokemon de seu mesmo tipo.
O sapo avançou novamente contra ele, agora em seu habitat. Contudo, ainda fraquejava devido aos golpes anteriormente recebidos, abrindo espaço para que Larvitar se aproveitasse da parte terrestre do cenário para golpeá-lo mais uma vez com o Ancient Power. Nessa oportunidade, Froakie não resistiu, caindo derrotado na areia. Mikala instantaneamente correu até ele, indo salvá-lo, enquanto Calem o fitava.
— Que droga. — comentou Mikala, com as mãos na cintura, suspirando. — Mas foi uma ótima batalha, Froakie, você se saiu muito bem. — ele recolheu o Pokémon nos braços, que conseguiu sorrir suavemente. —Valeu por tu ter me enfrentado, Calem.
O rapaz ficou estático por um momento observando seu adversário, preso em seus próprios pensamentos, distante. Quando notou que ficou por tempo até demais em silêncio, balançou a cabeça e voltou à realidade.
— De nada… — respondeu, ainda se situando. — Você é muito bom.
O rapaz sorriu, humilde.
— Eu dou para o gasto.
— Meninos, foi uma batalha excelente. — aplaudiu Serena enquanto se aproximava.
— Teu primo é um treinador dos bons. — elogiou Mikala. — Esse Larvitar é foda! Eu e o Froakie ainda estamos nos adaptando um com o outro. — comentou.
A loura balançou a cabeça:
— Vocês parecem ter muita sincronia.
— Estamos tentando. — ele riu.
Larvitar retornou para a Pokébola, sem que ele ou seu treinador trocassem quaisquer palavras ou ruídos. Mais uma vitória para a lista, apesar do susto e da incerteza. Ashley checou discretamente o horário em seu relógio de pulso:
— Não querendo ser estraga prazeres, mas…
— Como se você não adorasse. — retorquiu Mikala.
— … está ficando tarde. Melhor continuarmos logo ou não chegaremos em Cyllage antes de escurecer. — comentou ela.
Todos concordaram e voltaram a caminhar. Já estavam perto, era possível avistar algumas placas que indicavam que Cyllage se aproximava. O mormaço agora cessava cada vez mais, conforme preparava-se para anoitecer. O céu pintava-se em tons de laranja e rosa ao longe, cada vez mais intensos. O mar refletia as cores vivas do céu em suas águas transparentes. A maré parecia ter subido desde que começaram a caminhar, e a areia já esfriava. Alguns treinadores – dos poucos com quem vez ou outra se deparavam. – já se preparavam para ir para suas casas, enquanto outros pescadores preparavam seus barcos para uma pesca noturna.
Serena ainda caminhava na frente com Mikala. A menina olhava admirada para a mistura de cores pintadas no céu e nas águas, como se alguém derramasse gotas de tinta aleatoriamente em uma folha. Ela, após alguns ensaios, comentou, afável:
— Sabe, eu nem agradeci você por ter me salvado hoje… Muito obrigada! Se você não estivesse lá…
Ela não tinha parado para pensar no que diria em seguida, gradativamente diminuindo o volume da voz. Ficou com medo de continuar a frase, pois não sabia o que teria acontecido, de fato. A ideia de que talvez não estivesse lá agora para contar essa história era assombrosa. Charlie ouviu de relance a conversa e ficou ofendido. Se ele não estivesse lá, eu teria salvado você.
— Guria, o que importa é que tu tá aqui agora. — ele sorriu mais uma vez.
— Foi muita sorte. — ela brincou.
— De onde eu venho, a gente não acredita só em sorte. — argumentou o rapaz. — Tu acredita em destino?
— Não sei. — ela respondeu, dúbia.
— Que certas coisas estão predestinadas a acontecer, mais cedo ou mais tarde.
— Então existe um motivo para eu quase me afogar? — ela brincou, provocando-lhe uma risada.
— Pensa: tu poderia já estar em Cyllage, mas ontem choveu, e tu decidiu ir hoje. E foi nadar. Na mesma hora que eu decidi fazer a mesma coisa. E eu estava exatamente lá para te salvar. Não pode ser só coincidência.
— Nunca parei para pensar desse jeito. — ela disse, agora assumindo um tom mais doce. — Então nosso encontro foi só uma brincadeirinha do destino?
Ela sorriu para o garoto, que sorriu de volta.
Ela sorriu para o garoto, que sorriu de volta.
— É como tu pode pensar. Mas quer seja uma brincadeirinha dos deuses ou não — ele disse, aproximando-se da garota ainda mais. Ela conseguia ver seus olhos cor de mel brilharem, e sentir sua respiração quente ofegar. — eu tô muito feliz de nossos destinos terem se cruzado.
A garota corou ligeiramente, quase parando de andar. Sua respiração mudou bruscamente, e sentiu palpitações no peito. O que era aquilo?
— Eu também estou. — ela sorriu.
Não muito atrás, Charlie observava cada movimento.
Por que eu sentia coisas estranhas quando os via juntos? Serena era uma garota inocente, mas a forma com que sorria e corava dizia muito mais do que ela poderia expressar com palavras. E não o fazia para mim. Sentia um gosto amargo em minha boca. Ele foi capaz de salvá-la. Eu não.
Por que eu sentia coisas estranhas quando os via juntos? Serena era uma garota inocente, mas a forma com que sorria e corava dizia muito mais do que ela poderia expressar com palavras. E não o fazia para mim. Sentia um gosto amargo em minha boca. Ele foi capaz de salvá-la. Eu não.
— Calem eu não estou gostando desse garoto. — murmurou.
— Quase nem deu para perceber. — retorquiu o outro.
— Ele pode ser perigoso. — argumentou.
— O ladrão está preocupado com a nossa segurança. — ironizou Calem, recebendo um olhar de reprovação.
— Que fofos os seus ciúmes. — comentou Ashley.
— Não são ciúmes, mas você acha mesmo?
— Não.
As placas já davam boas vindas a Cyllage. A noite havia chegado, mas era possível ouvir o som dos carros e das pessoas adiante. Prédios altos e casas se iluminavam ao longe, anunciando que uma das maiores cidades do continente que acabara de receber novos visitantes. Uma concentração maior de gente também podia ser notada, ainda a certa distância.
— Estou ficando cansada de andar, ainda bem que chegamos. — comentou Ashley.
— Por que a gente não toma um banho de mar antes? — sugeriu Mikala.
Após alguns instantes de silêncio, Calem teve as honras:
— Você quer os motivos em ordem alfabética?
— Deve estar frio, Mikala! — comentou Serena.
— Que nada. De noite a areia esfria e a água esquenta. — falou o garoto.
— Por que isso?
— Agora não lembro, é alguma coisa tipo…
— Calores específicos diferentes. — disse Ashley de prontidão, ajeitando seus óculos.
O rapaz a olhou com certo desdém.
— Vamos lá, a gente já tá chegando. Quando chegarmos tomamos uma ducha bem quente. — pediu, começando a entrar na água.
Serena animou-se para segui-lo, deixando suas coisas na areia antes.
— Serena, se você entrar nessa água… — começou Calem, mas a menina ria sem dar ouvidos a ele. — Você não sabe o que passou aí. E de noite não dá para ver nada. Serena, você se afogar de novo ou se um Tinamo der um choque em você eu vou rir e gritar “bem feito”. Serena, ninguém mais vai te salvar, está ouvindo? Volte agora se não chamarei o Senhor Peixe para te trazer!!
Após tantos gritos em vão, a menina começou a entrar na água. Estava fria, mas nada que uma boa dose de animação e vontade não pudessem enfrentar. Ela seguiu Mikala, e os dois logo começaram a brincar de jogar água um no outro.
— Acho que nós é que somos muito caretas. — comentou Ashley.
Logo Charlie apareceu, entrando também de roupa, dando um susto em Calem.
— Até você vai entrar?
Ele deu de ombros.
— É melhor que ficar aqui ouvindo você reclamar.
A ruiva fez um sinal com a cabeça, concordando, mas contentou-se em molhar os pés apenas, enquanto Calem continuava longe, apenas praguejando contra Serena, que se divertia com os amigos na água. As estrelas brilhavam com força ao longe na malha escura do céu, que era refletido pelo mar, revelando uma imensidão negra e pontilhada.
Passaram-se vários minutos de risadas, e a garota saiu correndo de volta, encharcada e com as roupas grudando. Ela ria, mas resmungava alto:
— Está muito frio!!
— Pois bem feito. — disse Calem jogando-lhe uma toalha e preparando-se para ir em direção à entrada da cidade. —Agora vai tremendo até chegarmos no hotel.