Capítulo 18



Capítulo 18
Uma Luz no Final do Túnel
O vento balançava as folhas das árvores, criando um som harmonioso. O céu estava escuro, apesar de ser de manhã. A brisa mais parecia anunciar uma tempestade do que realmente refrescar, pois apesar do clima litorâneo ligeiramente mais aquecido, o ar estava frio. O som das ondas quebrando nas pedras era recorrente em Ambrette, que ficava estruturada praticamente sobre um solo feito de rochas, alto. Um vai e vem constante que terminava com a água arremessando-se no sólido e virando espuma branca, metros abaixo.



Levando em conta a previsão do tempo, o trio decidiu adiar a viagem a Cyllage para o dia seguinte. A Rota 8 era longa demais para ser percorrida, e se um temporal os atingisse, não haveria onde se esconderem – além da possibilidade de o mar ficar mais agressivo com a chuva. Aproveitariam o dia para investigar as belezas da cidade, reconhecida em todo o continente por ser um polo de pesquisas e estudos.
Charlie sentava-se no hall do hotel em que ficaram hospedados, enquanto tomava um gole de café para se aquecer. Com a outra mão, segurava o jornal do dia, onde procurava assuntos interessantes. Nada muito chamativo além do usual. Por cima das folhas de papel, notou uma dupla de pessoas que passava pela saída do hotel, mas foi uma questão de apenas alguns instantes antes das portas de vidro se fecharem atrás deles.
Vestiam trajes chamativos, de tons fortes de laranja. Não houve tempo para reparar em detalhes, apenas notou a predominância desse tom, mesmo nos penteados. Não reparou nos olhares – possivelmente usavam óculos escuros. Conversavam de maneira despojada, e pelas vozes que ouvira, eram um homem e uma mulher. Só conseguiu distinguir algumas palavras do diálogo: “na Glittering Cave”.
— Será que…? — sussurrou o rapaz para si mesmo, as palavras sumindo gradualmente.
Calem desceu as escadas do hotel e deu bom dia a Charlies sem nem olhá-lho ao certo, dirigindo-se para o restaurante, onde procuraria algo para comer. O garoto o seguiu, e enquanto o primeiro servia-se, começou a falar:
— Calem, escuta. Nem acredito que estou pedindo isso, e provavelmente irei me arrepender, —   dizia, enquanto o garoto pedia uma xícara de café. — mas preciso de sua ajuda.
O rapaz então o observou, com certo espanto no olhar, mas ao mesmo tempo um sorriso de quem estava gostando daquilo.
— Ora, ora, que surpresa, Charles. —  falou, cruzando os braços. — O que tem em mente?
Charlie respirou fundo:
— Eu vi um grupo suspeito se dirigindo a uma caverna próxima da cidade, e decidi investigar o que está acontecendo. —  disse, um pouco baixo e rápido demais. — Vai comigo?
O rapaz o ficou observando por alguns instantes, até cair na risada sozinho. Charlie ficou a encará-lo com desgosto enquanto se divertia. Calem replicou:
— Deixe-me ver se entendi: você resolveu bancar o detetive, porque viu alguém estranho? E quer que eu vá com você? Até uma caverna? Charles, desculpe, mas isso não faz o menor sentido. Se eu fosse perseguir cada pessoa estranha que eu visse…
Ele tornou a dar uma risadinha cínica, enquanto Charlie começava a se arrepender do pedido.
— Por que não chama a polícia, se isso te incomoda tanto?
— Sério? Eu chamando a polícia? — frisou o garoto. —  Escute, Calem, isso está me incomodando muito, muito mesmo. Eu não sei como explicar, mas eu preciso ir para lá. — Nesse momento Calem parou de rir, pois a voz de Charlie assumia um tom sério, do tipo que jamais tinha ouvido antes. — Por favor, vá comigo.
— E o que eu faço se encontrar criminosos? Jogo álcool em gel no olho deles?!
— Não são criminosos, acho. Por Arceus, eu já estou me arrependendo. — disse Charlie, esfregando a palma da mão no rosto. — É na Glittering Cave, é famosa porque tem fósseis lá dentro, você deve conhecer. — explicou. — Vários treinadores vão até lá.
Calem respirou fundo, olhando para seu café.
— E se chover?
— Calem, é uma caverna! — exclamou o outro, já impaciente. — Ela é mais segura que aqui no hotel.
O menino ficou mais um tempo parado, pensando, até dizer:
— O.K., espere, que só vou chamar a Serena.
— Não, não a chame! — interrompeu ele, colocando-lhe a mão no ombro como impedimento. Encararam-se. — Ela vai ficar mais segura aqui. Caso aconteça alguma coisa.
— VOCÊ ACABOU DE DIZER QUE NÃO TEM PERIGO. — rebateu Calem. — Ótimo, e comigo pode acontecer alguma coisa, né?
Antes que pudessem dizer qualquer coisa a mais, foram interrompidos pela voz tranquila de Serena, próxima a eles.
— Meninos, onde vocês estão indo?
Ela havia acabado de se ajeitar e também descera para tomar café. Os cabelos ainda estavam úmidos. Charlie ficou em uma saia justa, sem saber ao certo o que dizer. Aproximou-se da garota, segurando-lhe pelas mãos enquanto falava em tom baixo:
— Sabe, princesa… Eu e Calem estamos pensando em dar uma volta a sós. Acho que tivemos muitos atritos desde que começamos essa jornada, então pensamos em nos conhecer melhor. — disse, tom sério, mas com um sorriso.
Serena por alguns momentos ficou a observá-lo, e em seguida lançou um sorriso sincero:
— Olha, minha família sempre foi muito contra isso, mas eu considero que o amor supera todas as coisas, Charlie! — disse.
— O quê? —  indagou o rapaz, sem entender. Em seguida, refutou, em tom alto. — Não, não é isso, Serena, por Arceus. — fez uma expressão de nojo. — E mesmo se eu fosse assim, não iria querer conhecer logo o Calem. Estamos só indo dar uma volta mesmo. Você se importa? — perguntou.
— Ah, sim, desculpe. — ela deu uma risadinha. — É claro que não. Inclusive fico feliz de ver vocês se dando bem assim. — a garota tocou o queixo, reflexiva. — Estou pensando em conhecer o aquário da cidade, enquanto isso.
Os dois garotos assentiram, e a deixaram tomar café enquanto iam em direção à chamada Glittering Cave. A menina selecionou algumas frutas e um bolinho, acompanhados de café. Após ingerir tudo, sem pressa, levantou-se de sua cadeira e saiu do hotel. Havia um mapa no interior que dizia os principais pontos da cidade, mas sequer era tão grande assim para se perder. Além disso, o aquário da cidade era famoso, e indicado por várias placas.
Ela parou em um banco de madeira para observar a bela paisagem. Daquela altura, podia ver, ao longe uma imensidade azul, contrastando com o céu nublado e gradualmente escurecido. O som das ondas a acalmava de uma maneira surreal. Serena estava feliz de ter conhecido a costa de Kalos.
Após alguns minutos, dirigiu-se para o aquário, após pedir informações a algumas pessoas ao redor para confirmar. Era uma construção que não conseguia contemplar com uma olhada rápida. O famoso Aquário de Ambrette era um dos maiores de todo o mundo, e muito usado em pesquisas e para a reabilitação de Pokémons feridos. Ela pegou um folheto e pagou sua entrada no início. Em seguida, um rapaz indicou para onde deveria prosseguir.
A menina notou-se em um corredor bem escuro, o que a deixou ligeiramente incomodada. O atravessou porque via, à certa distância, algumas iluminações. Chegou, por fim, em uma sala com várias informações iniciais sobre o estabelecimento, e duas grandes caixas iluminadas. Quando parou para reparar nas “caixas”, notou que na realidade eram tanques de água.
Ela correu para observar. Os dois tanques eram iluminados, e algumas espécies de Pokémons nadavam na água. Havia alguns Magikarps como o de Calem, junto de peixes de tom esbranquiçado e cauda fina e repleta de camadas – Goldeen, como dizia em uma placa de informação. – e ainda uma espécie acastanhada de aparência esquisita – Feebas.
Ela ficou lá, observando o aquário encostada no vidro. Afastou-se um pouco quando um funcionário a tocou e apontou para uma placa que dizia “Favor não bater no vidro”. Serena continuou sua caminhada após longos momentos admirando o nadar despretensioso daqueles peixes inocentes. Avistou em uma placa:

A garota seguiu para a esquerda. Andou por um corredor ainda mais escuro, que terminava em uma sala iluminada por várias cores, que a intrigou. Não eram luzes quaisquer, e sim Pokémons que clareavam o ambiente com seu próprio corpo. Chinchou e Lanturn possuíam luzes naturais que utilizavam nas profundezas de seu habitat, enquanto Finneon e Lumineon tinham detalhes em seus corpos que, no escuro, brilhavam em tons de neon, formando desenhos que dançavam na água, contrastando com o ambiente totalmente escurecido. A menina ficou maravilhada em como a natureza era capaz de criar coisas tão singelas e bonitas.

Em seguida, avançou para uma próxima sala, essa bem clara, simulando as zonas mais superficiais do oceano. Havia o som ambiente Wingulls voando, e o barulho de ondas se movendo. Havia várias espécies pequenas nadando nos tanques em cores vivas, passando por entre os corais também multicoloridos.
Pequenos Horseas paraciam cavalos apostando corrida embaixo da água com Skrelps. Alguns Staryus ficavam grudados no vidro, presos, observando o exterior. Um Quilfish em um aquário isolado se inflava quando alguém se aproximava, virando uma bola cheia de espinhos engraçada. Um dos corais começou a se mover, revelando ser, na verdade, um Corsola escondido.
A menina continuou, indo para uma sala quente e de ar úmido. Os tanques agora já não eram totalmente preenchidos de água, mas imitavam um ambiente terrestre. Havia alguns Polywags brincando e espalhando a água de uma poça. Woopers e Tympoles também aproveitavam o terreno lamacento, enquanto alguns Shellos – de dois tipos diferentes. – subiam pelo vidro vagarosamente.
Serena notou a presença de um Pokémon escondido no canto, que a maioria das pessoas sequer reparou. Se assemelhava ao aspecto de um Shellos, porém era arroxeado, e tinha grandes olhos, que estavam hesitantes naquele momento. Ele parecia abatido, encostado sobre uma rocha, sem brincar com os outros. Pelas informações de uma placa, a garota concluiu que era um Goomy.



— Ei, moço, — disse a menina a um funcionário, que passava. — aquele Pokémon me parece doente…
O rapaz olhou de relance para a direção do Goomy, e logo voltou a caminhar.
— Ele fica sempre assim. — disse, virando-se — Não há nada de errado.
A garota ficou a encarar o Pokémon, que também a observava. Ela abaixou-se e tocou o vidro – cuidadosamente, para não ser descoberta. A lesma aproximou-se um pouco, mas logo voltou a ficar recostada com a mesma aparência infeliz de antes. Ela ficou por mais alguns momentos, parada, tentando descobrir como ajudar. Percebendo que não havia o que fazer, se não confiar no funcionário, continuou a visitação.
Ela agora passava por uma espécie de túnel, mas com as paredes feitas de vidro. Uma voz constante que informava cada atração comentava sobre aquela área, dizendo que simulava um túnel como o Marine Tube de Unova. Naquele tanque passavam espécies de Pokémon realmente assustadoras. Um enorme Tentacruel apareceu rente ao aquário, com seus tentáculos dançando na água. Um Octilery grudou no vidro, assustando algumas crianças que atravessavam o corredor. Um Wailmer passou próximo à menina, nadando de maneira engraçada. Uma enorme Mantine parecia planar como um avião, com vários Remoraids grudados na parte de baixo de seu corpo.

Serena ficou maravilhada. Todavia, por outro lado, a imagem do Goomy veio em sua cabeça. Parou para observar aquelas espécies, imensas, e só conseguiu projetar a feição daquele Pokémon: infeliz. Talvez aquelas outras criaturas se sentissem da mesma forma. Eram imensos, e ficavam confinados em um espaço de vidro que tentava imitar um pequeno pedaço do oceano, onde pessoas passavam, apontavam, e fotografavam. Sentiu por um instante a sensação que tinha ao viver confinada em sua casa.
— Esse não é o lugar desses Pokémons. — sussurrou a garota para si mesma, incomodada.
Algumas pessoas ao seu redor conversavam, maravilhadas, e apontavam para cada ser fantástico que aparecia nas águas ao redor, mas a menina já se sentia estranha, como se algo lhe embrulhasse o estômago. O som das pessoas começava a se misturar com a voz robótica e incessante que informava sobre as atrações.
Passou por um último corredor, que tinha a aparência de um enorme freezer, com espécies como Spheals, Sealeos e Lapras, que se moviam na água e no gelo, porém, Serena já não conseguia mais olhar para nada. Sentia-se sufocada, ainda mais depois de imaginar como seria aquela caixa artificialmente resfriada. Aproximou-se da saída, um pouco ofegante. Antes de passar pela catraca e se retirar completamente, um outro funcionário sorriu:
— O que achou da visita?
— Foi… Surpreendente. — ela deu um sorriso de volta, mas a voz estava frágil e quebradiça.
Quando estava prestes a sair, apalpou sua bolsa:
— Eu acho que minha carteira caiu quando eu estava passando. —  disse, andando de volta. O rapaz apenas acenou com a cabeça, enquanto ela voltava.
A garota voltou a passos rápidos, passando por entre as salas, perdida. Tentou seguir as placas, mas as letras quase embaralhavam. Aqui não. Aqui não. Por fim, chegou à sala que esperava quando sentiu uma temperatura discretamente maior. Lá estava o Goomy infeliz. Ela se aproximou e abaixou na altura do Pokémon por trás do vidro. Ele, pela primeira vez, mudou o olhar, aproximando-se um pouco dela.
Serena olhou ao seu redor, mas não havia ninguém mais naquela sala e naquele momento.
— Agora vamos tirar você daqui.
A garota puxou de sua mochila a Pokébola de sua Espurr, revelando a pequena criaturinha de pelos acinzentados. A garota sussurrou algo ao Pokémon, que levitou uma placa de ferro com seus poderes psíquicos e atingiu o vidro com força. O som dos estilhaços foi mais alto que a menina esperava, assustando todos os Pokémons do lado de dentro. Um ar ainda mais quente e úmido veio de dentro, e Serena estendeu as mãos ao Goomy.
O Pokémon saltou em seu colo, e por um momento ela sentiu a textura de sua pele mole e gosmenta, mas sequer teve tempo de reclamar, pois começou a correr na companhia de Mary. Várias pessoas foram para ver o que havia acontecido, e gritaram ao ver alguns Pokémons escapando pelo espaço recém-aberto no vidro.
Serena corria e seu coração parecia que a qualquer momento saltaria para fora de seu peito. Via as salas passando, e em questão de segundos estaria do lado de fora. Seu instinto dizia que havia feito algo certo, mas ao mesmo tempo temia estar cometendo um grande erro. Quando menos esperava, trombou com um dos funcionários, que a segurou antes que pudesse voltar a correr.
— Fim da linha. — disse ele, com cara de poucos amigos.
...
Calem e Charlie seguiam os indicadores em Ambrette que informavam uma saída do lado direito da cidade. Iriam para a Rota 9, que permitia o acesso à Glittering Cave. Um vento pesado soprava, trazendo o aroma de maresia, e também o prenúncio de uma chuva forte que não tardaria a chegar.
Quando chegaram à rota, surpreenderam-se ao notar que o solo não era uniforme. De alguns metros de onde estavam em diante, o chão era rebaixado e coberto por pedregulhos de tamanhos diferentes, alguns deles afiados, e onde alguns rochedos despencavam do alto de um morro, deslizando e se partindo em pedaços menores ainda no solo. 
— Não tem como atravessar essa rota, Charles. — concluiu o garoto.
O outro ficou a observar a rota, confuso. Aquilo era verdade, não havia outros treinadores ao redor que estivessem caminhando naquele terreno acidentado. Parecia perigoso. Um homem, todavia, apareceu ao longe, aproximando-se cada vez mais. Estava nas costas de um Pokémon grande, que parecia ter uma pele coberta por placas resistentes e de aparência rochosa. Um chifre estendia-se na parte da frente de sua face, chamando a atenção. O homem desceu do Pokémon próximo aos dois, conversando:
— Vocês precisam ir montados em um Rhyhorn. —  explicou, ao ver a cara de dúvida de ambos. — Não se preocupem, eles foram treinados para transportar treinadores e são muito dóceis.
Disse, indo embora. De fato, havia vários Rhyhorns amarrados nos arredores, parados, aguardando um treinador.
— Charles, você me convidou para ir até uma caverna. E eu tenho que MONTAR. EM. UM. POKÉMON. — resmungou Calem, alto. — Qual é o seu problema?!
— Ora, vamos, é só fingir que é uma bicicleta. — disse Charlie aproximando-se de um Rhyhorn e tentando disfarçar sua hesitação.
— Uma bicicleta de cem quilos que anda em quatro patas e pode me atravessar com um chifre.
— Pense como quiser. — falou, subindo, por fim, nas costas do Pokémon. Ele sequer se mexeu em reflexo. — Você vem ou não?
Calem ponderou por vários momentos como aquilo era contra vários de seus princípios. O outro preparava-se para partir. Por fim, começou a subir nas costas do Pokémon, atrás de Charlie, que levou um susto:
— O que está fazendo? É para subir em outro! — reclamou.
— Charles, por mais que eu o odeie, eu não vou subir nessa coisa sozinho. Ponto final. — falou ele, segurando nas costas do rapaz, que soltou um suspiro de desprezo.
— A cada segundo mais arrependido.
Charlie fez um sinal com algumas batidinhas nas costas do Pokémon para que andasse, e quando de fato ocorreu, Calem soltou um grito instantâneo. O outro riu. Era uma sensação esquisita, pois a dimensão do Pokémon era de certa forma assustadora, e sua pele tão dura e protegida como uma montanha. Porém, era manso, caminhando a passos lentos, de forma que outros treinadores que chegaram depois acabassem ultrapassando os dois.
— Esse bicho não consegue ir mais rápido? — reclamou Charlie, segurando as rédeas.
— Charles, não o apresse. — ordenou o rapaz. — Mais cedo ou mais tarde chegaremos lá.
O outro concordou, relutante. Ficaram observando os arredores enquanto o Pokémon caminhava com simplicidade e preguiça pelo terreno rochoso.
— Parece que beeem mais tarde.
Após um tempo bem maior que o previsto, puderam avistar um local na entrada da caverna onde não precisariam mais da companhia do Pokémon para andar. Charlie já não aguentava mais Calem tremendo e se remexendo com incômodo durante toda a travessia. Quando atingiram o final, desceram do Rhyhorn sem tantas dificuldades, vendo uma placa fixa a uma pedra: GLITTERING CAVE.
— Charles, não sei que mal me deu na cabeça para aceitar vir aqui com você.
— Você pode parar de reclamar por um minuto?
— Trinta segundos é o meu limite.
Entraram.
O caminho não era de todo escuro, pois havia algumas lâmpadas nas paredes que envolviam o trajeto que ficavam integralmente acesas. Contudo, na penumbra, ainda era difícil distinguir certas coisas, ainda que alguns treinadores jovens estivessem nos arredores, batalhando com espécies que se escondiam naquele ambiente. O som de vozes e ruídos era amplificado e ecoado por toda a caverna, mesmo a metros de distância. Calem, subitamente, parou de andar.
— Essa não.
— O que foi? — perguntou o amigo.
— Essa é a Glittering Cave. — ponderou ele.
— Sim, foi o que eu disse. — falou, revirando os olhos. — Várias vezes.
— Eu não tinha parado para me dar conta de que era aqui. — disse Calem, puxando seu guia da mochila e tentando folheá-lo próximo a uma das luzes.
Charlie revirou os olhos, cruzando os braços enquanto aguardava o garoto se explicar.
— Foi nessa caverna que montaram um ossuário depois que os cemitérios não conseguiram mais receber pessoas. — falou, apontando para uma página.
— Traduza para mim, por favor? — pediu Charlie, sem sequer olhar para o livreto.
— AMONTOARAM UM MONTE DE OSSOS HUMANOS E BOTARAM NESSA CAVERNA. ESTÁ CLARO OU QUER QUE EU DESENHE? — gritou Calem, permitindo que sua voz fosse repetida pelo eco ao longe.
Charlie coçou a cabeça, não muito impactado.
— Eu já havia ouvido falar, mas não sabia que era aqui. Vamos lá, Calem, não me diga que tem medo dessas lendas? — brincou ele.
— Não seja tolo, Charles, medo de lendas não faz sentido. — disse ele, guardando o guia novamente. — Por outro lado é totalmente racional ter medo de vermes nojentos comedores de gente. O que fazemos agora?
— Como assim? — indagou Charlie. — Vamos continuar, ué. Eu vou parar por causa de uma bobeira dessas? Mesmo que essa sala exista, ela deve ser bem escondida. Se não, não iriam deixar crianças visitarem a caverna.
— Esse é sempre seu argumento? — retorquiu Calem. — “Crianças visitam, então eu também posso”? — falou, simulando a voz do amigo. — Crianças comem cola líquida, só por isso você vai comer também?
— Você comia cola quando criança?
— Chega, eu vou voltar.
Quando Calem começou a fazer o caminho de volta, ouviu um trovão ribombar do lado de fora, e logo um som de gotas se quebrando no teto da caverna ecoou. Ao longe, podia ver pingos finos caírem persistentemente do lado de fora, pela entrada. Havia começado a chover.
—  Droga.
Charlie riu, levando um soco no braço pelo amigo. Os dois voltaram a caminhar para dentro, seguindo algumas placas sem ao certo saberem para onde ir. Alguns Pokémons ocasionalmente apareciam, mas não se mostravam muito incomodados com a presença humana – pelo menos não nas áreas mais visitadas da caverna.
Chegaram em um local em que foram acometidos pela surpresa: As paredes e o chão eram cobertos por pedras especiais que eram famosas, e inclusive faziam jus ao nome da caverna. Algumas dessas pedras eram cobertas por pequenos seres bioluminescentes, que brilhavam em um tom azulado e iluminavam o interior da sala. Outros cristais tinham em seu interior uma luz própria, que refratava nas várias faces que possuíam e eram lançados para diversas direções. Pouquíssimas lâmpadas eram colocadas na parede, justamente pela falta de necessidade. Havia avisos indicando a importância de preservar aquelas pedras, portanto qualquer extração ilegal era proibida.


O local possuía uma iluminação neon natural que os deixou embasbacados e pensativos com relação a como a natureza teria conseguido criar um mineral capaz de iluminar o próprio interior da caverna, ou como criaturas conseguiam produzir tal brilho. Charlie sorriu ao outro, provocativo:
— Isso está um pouco melhor que um cemitério.
A dupla continuou a caminhada por alguns minutos pela caverna iluminada, até que Calem voltou a quebrar o silêncio:
— Você pelo menos sabe para onde estamos indo?
O garoto se virou para ele.
— Você quer a verdade?
— Hm. Melhor não.
— Boa escolha.
Conforme avançavam, o som de seus passos deixou de ser a única coisa audível – além, é claro, dos ruídos típicos de uma caverna. – pois, não tão longe, era possível notar o som de vozes conversando. É claro que o ambiente permitia que confundissem as reais distâncias em virtude das paredes que reproduziam eco, mas as vozes ficavam cada vez mais perceptíveis.
Por uma entrada, Charlie colocou sua cabeça ligeiramente à mostra, observando a mesma dupla de pessoas uniformizadas que vira mais cedo no hotel. Também havia um senhor mais baixo que eles, de jaleco e óculos – um estereótipo de pesquisador – participando do assunto.
— Ali, são eles. — apontou Charlie.
Calem colocou sua cabeça inclinada sobre a entrada também, as mãos apoiadas na rocha, escondido da mesma forma do amigo. Fez uma expressão de julgamento no rosto.
— Um pouco excêntricos esses trajes, né? — comentou.
— Não estou com um bom pressentimento sobre esses caras. — balbuciou Charlie.
— Eles estão de terno, Charles. — argumentou o outro.
— Calem, não é porque a pessoa veste terno que ela não é perigosa. — falou, revirando os olhos enquanto voltava a observar o trio ao longe.
— Charles, eu vou continuar fingindo que acredito que você não faz ideia do que está acontecendo assim como eu, se o tranquiliza. Mas saiba que eu vou cobrar uma explicação futuramente.
Se Charlie ouviu o que o outro dissera, não dava para saber, porque continuou observando a conversa sem piscar. O companheiro também continuou olhando, como se sua fala anterior nunca tivesse sido dita. Em determinado ponto, o volume das vozes aumentou, bem como os gestos tornaram-se mais acalorados, parecendo uma discussão. Charlie se remexeu:
— Precisamos fazer alguma coisa. — comentou, se levantando.
— Você nem sabe do que eles estão falando. — retorquiu o outro.
— Você vem comigo ou não? — perguntou o garoto, colocando-se em posição de caminhar, como se mostrasse que qualquer ação seguinte sua era inevitável.
Calem respirou por um momento e soltou um longo suspiro:
— E eu tenho escolha?
O amigo sorriu de um lado e desfez o sorriso em seguida sem dizer nada, dando a entender que não, não havia escolha. Avançou de uma só vez, soltando um brado mais alto que gostaria:
— Ei. —  os três viraram-se para ele, sem muita surpresa. — Está tudo bem aqui?
Todos se entreolharam de maneira duvidosa, e Calem aproveitou a deixa para aparecer também. O senhor mais baixo respondeu:
— Sim, jovem. Aconteceu alguma coisa? — perguntou com simplicidade.
— Vimos vocês discutindo… — comentou Charlie, mas notou que suas palavras não faziam sentido. Era difícil explicar quando nem ele conseguia se justificar do porquê de estar lá.
— Estávamos apenas conversando com o senhor Cuvier e divergimos sobre os sedimentos que formam a caverna. — um dos capangas, o rapaz, abriu a boca. Sua voz era firme, mas tranquila. — Mas ele tem mais propriedade que eu para falar sobre esses assuntos, não é?
— Ele é o pesquisador-chefe do Laboratório de Fósseis de Ambrette. — comentou a moça ao lado dele.
O senhor deu uma risada descontraída e ajeitou seus óculos, como se quisesse ver os garotos melhor.
— Ora, não coloquem tantos créditos assim em minhas costas. — falou de forma humilde. — Já visitaram o laboratório, meus jovens?
Os dois se entreolharam e fizeram que não com a cabeça.
— Fazemos muitas pesquisas, principalmente no campo dos fósseis. — explicou, com um sorriso. — Sabem o que são fósseis?
— São… Restos de criaturas pré-históricas, né? — disse Charlie, de maneira despojada.
— Charles, não me envergonhe. — o amigo deu-lhe uma leve cotovelada. — Os fósseis mostram vestígios de como era a vida há milhões de anos, principalmente como surgiram alguns de nossos ancestrais. — explicou o outro quase que como um parágrafo decorado de um livro de história.
— Exatamente. — falou o senhor Cuvier, satisfeito. — Houve um grande processo de sedimentação nessa caverna, portanto é possível encontrar diversos fósseis por aqui. Por isso escolhi Ambrette para sediar o laboratório.
Ele tinha uma mochila consigo, que até então não haviam notado porque estava jogada no chão, desgastada. O senhor revirou a mala olhando por cima dos óculos, e pegou um pedaço de rocha disforme de sua mochila:
— Hoje meus colegas encontraram isso. — disse, entregando a pedra para Calem. — Interessa a você, jovem?
Ele pegou o rochedo com hesitação. Em sua mente não faria isso em outras ocasiões, pensando em como deveria estar cheia de germes, mas não queria desapontar o senhor com suas manias. Observou por todos os ângulos, ainda que pegando na ponta dos dedos:
— Que tipo de fóssil é esse? — perguntou.
— Oh, você descobrirá se levar até o Laboratório de Fósseis. — falou ele, com um olhar provocativo.
Calem sorriu, colocando a pedra com cuidado em um bolso de sua mochila.
— Combinado!
Os dois seguiram conversando sobre assuntos que Charlie sequer tentou compreender. Algo envolvendo rochas magmáticas. Ou seriam magnéticas? Viu que a dupla ao seu lado cochichava entre si, um pouco deslocados. O rapaz aproveitou da distração e da proximidade para observar um crachá que o homem usava em seu pescoço. Como tudo neles, predominavam os tons alaranjados, com alguns dados e números que não sabia para que serviam. Embaixo de um emblema, leu um nome:
— Team Flare. — murmurou.
Os dois voltaram suas cabeças vagarosamente para ele. Usavam óculos que impediam que seus olhos fossem vistos – ainda mais àquela iluminação. –, então era difícil ler suas expressões. A mulher continuou, com uma voz interessada:
— Ouviu falar?
Charlie titubeou, arriscando:
— Vocês não são a organização que estava roubando os outros?
Os dois lançaram um olhar rápido um para o outro, e logo caíram na risada. Charlie sabia que ladrões jamais admitiriam, assim, seu crime. Contudo, esperava diversas reações diferentes, que não uma gargalhada sincera como a que demonstravam.
— Então é isso que falam sobre nós? — disse o homem, ajeitando seu topete.
— Menino, ou estão nos confundindo, ou é apenas um boato que espalharam para nos difamar. — explicou ela. — E vou dizer que não seria a primeira vez.
— Estou um pouco confuso. — confessou Charlie.
— Nós somos uma organização, sim. Mas não queremos roubar o dinheiro de ninguém. — falou o moço, ainda soltando uma leve risada.
— Há algumas facções que querem isso aqui em Kalos. — comentou ela. — Mas nós também temos medo deles.
Os dois riram entre si, e Charlie os acompanhou, mesmo que estivesse desconfortável demais para se divertir. Por um momento veio em sua cabeça a imagem de Marc, seu irmão, que claramente seria líder de um desses grupos perigosos. Tentou afastar, de uma vez, a imagem perturbadora de sua mente.
— Se não se importam. — disse o homem, checando um relógio de pulso, após parar de rir, ao tocar o senhor Cuvier no ombro. — Precisamos ir, agora que a chuva deve ter parado.
Os garotos naquele momento pararam para reparar que o som de gotas caindo no teto da caverna já havia cessado.
— Tudo bem, meus companheiros. — falou o pesquisador. — Espero ter sido útil.
— Foi muito, sim. Obrigada pelo seu tempo. — agradeceu a moça. — Entraremos em contato com o senhor. Até mais, garotos.
Todos fizeram um aceno, enquanto os dois dirigiam-se novamente para os corredores da caverna, como se soubessem exatamente por onde ir, sem nem precisarem pensar. Calem e o senhor Cuvier continuaram sua conversa, e quando Charlie sentiu que estavam distantes o suficiente, interrompeu:
— O que aqueles caras queriam?
Os dois voltaram o olhar para ele após a interrupção, e o pesquisador demorou um pouco para interpretar a pergunta, agora que o assunto mudara bruscamente.
— Eles queriam conversar sobre pedras… —  falou, fazendo um gesto com a mão de pouco caso. — Desculpe, garotos, não posso falar muito mais sobre isso.
— O senhor foi… Contratado por eles? — perguntou, levando em conta o que ouviu pela conversa.
— Bem, eles me ofereceram uma proposta. — disse, e embora Charlie esperou que ele fosse continuar, nenhuma outra palavra foi proferida.
— O que aqueles caras querem?  repetiu.
— O Team Flare é uma organização de cientistas e intelectuais bem antiga. — falou ele, gestualizando. —  Ninguém sabe direito o que fazem em suas reuniões, mas dizem que prezam por “um mundo mais belo”.
— Cientistas e intelectuais que acreditam em um mundo melhor. — resumiu Charlie cruzando os braços.
— Exato. Muitas pessoas de influência aderiram à organização depois de se familiarizarem com os interesses deles.
O senhor despediu-se deles após checar o horário, e os dois garotos ficaram lá, parados por um tempo. Aquele encontro havia sido estranho em muitos aspectos, mas por algum motivo era difícil conciliar um grupo tão curioso como o Team Flare com a imagem dos benfeitores de Kalos.
— Bom, Charles, está mais tranquilo agora? — indagou o rapaz.
— Eu acho que sim. — respondeu-lhe, mas havia uma pontada de mentira. — Mas me dá medo quando vejo alguém falar sobre “um mundo melhor”.
— Não deveria. — riu Calem.
Os dois seguiram em silêncio pelo caminho de volta. Agora já não era mais tão difícil e nem assustador retornar, uma vez que conheciam o trajeto. Era só cuidarem para não se perderem, ainda que fosse difícil, pois as pedras brilhantes eram bem marcantes. Quando estavam quase na saída, Charlie quebrou o silêncio:
— Calem. — o outro encarou seus olhos esverdeados que esboçavam sinceridade naquele momento. — Obrigado por ter ido comigo.
Ele olhou para frente, sorrindo.
— Disponha.
Entardecia, mas mesmo assim estava bem mais claro que dentro da caverna, causando-lhes um incômodo por alguns segundos Até mesmo irem montados em um Rhyhorn já não era mais tão cansativo, embora estivessem exaustos – o segundo que pegaram era um pouco mais veloz que o primeiro.
Fizeram o caminho de volta em direção ao hotel, mas viram uma multidão se acumulando nas proximidades. Vencidos pela curiosidade, seguiram a direção pela qual um certo número de pessoas também ia, percebendo que a acumulação era em torno do aquário da cidade. Os dois se entreolharam com espanto e lembraram de Serena, aumentando a velocidade do passo.
No centro do amontoado de pessoas havia alguns policiais, vários funcionários do aquário, alguns fotógrafos e jornalistas, e uma menina loura de saia vermelha e chapéu rosa – Serena.
— Serena, o que aconteceu? — gritou Charlie, indo à frente do amigo.
Alguns policiais bloqueavam a passagem fazendo uma barreira que envolvia Serena e os funcionários. Quando Charlie tentou ultrapassá-la, um dos policiais o questionou:
— Essa garota está com vocês?
— Está. — respondeu Calem de prontidão. — Qual é o problema?
O policial deu um grito aos que estavam próximos a ele, e permitiram a passagem dos dois garotos, apenas. Serena estava junto a um homem baixinho e calvo, com vestes extravagantes, que mais pareciam uma tentativa frustrada de ser elegante e chamativo ao mesmo tempo. A garota tinha certo pânico no olhar, assustada com a pessoas em sua volta, principalmente os fotógrafos.
— Ela tentou roubar um Pokémon do Aquário. — disse o homem, ríspido, dando a entender que era o dono do aquário. — Quebrou um vidro e tirou a paz daqueles Pokémons.
— A criminosa não sou eu. — falou a garota com um tom emotivo, quase derramando lágrimas dos olhos. — Eles é que mantém vários Pokémons inocentes como reféns naquele lugar fechado e infeliz.
Os garotos se entreolharam, compreendendo a gravidade do problema.
— Posso falar com ela um instante? — pediu Calem, puxando a garota pelo braço um pouco distante dos outros funcionários, onde podia conversar sem tanto incômodo.
— Serena, é um aquário. —  disse ele, fazendo gestos expansivos com as duas mãos. — Essa é a proposta. Esses Pokémons são melhor criados e alimentados que nós dois andando pelo mato, sabia?
A garota engoliu em seco e ficou por alguns momentos encarando o primo, em seguida voltando a falar, atropelada:
— Mas lá não é o lugar deles, Cal. Eu não sei, não consegui aguentar. —  dizia, cobrindo o rosto com as mãos, em um tom quase sofrido. — Eles são tão grandes, e aquele vidro tão pequenino… O Goomy estava tão triste.
Calem estapeou a própria testa com suas duas mãos.
— Por Arceus, você sequestrou um Goomy?
— Ele estava infeliz, Cal. — argumentou, falando mais alto que gostaria. — Ele gostou tanto quando eu o libertei.
Não é novidade que o lado sensível da Serena me incomoda, mas em alguns momentos ela simplesmente extrapola. Ser sentimental é legal, é bonito, porém, quando você começa a fazer escolhas erradas e a colocar os outros em perigo, colocando o sentimento acima da razão… Isso eu já não concordo. A razão deve se sobrepor, sempre. Talvez com um Pokémon infeliz a mais no mundo, porém, sem problemas e contas de vidraçaria a pagar. E, é claro, eu que precisava consertar as besteiras que minha prima fazia por ser tão passional.
— Serena, eu juro que estou me controlando para não dar uma na sua cara. — disse, estressado. Você não pode sair fazendo coisas assim. — Você não sabe como funciona o Aquário. Você não sabe de onde vem os Pokémons. Então não se meta. — falou. — Eles cuidam de espécies feridas em reabilitação, sabia?
Serena fungou, claramente abalada com o tom ríspido que o primo usara, mas ele sequer se importou. Talvez até então ele nunca tivesse ficado tão bravo àquele ponto com ela, e naquele momento só conseguia focar em resolver aquele problema pendente. Puxou um dos funcionários nos arredores pelo ombro:
— Alguém fotografou ou filmou o momento? — questionou-lhe, impositivo.
— Não, não havia pessoas nos arredores quando aconteceu. — respondeu ele, depois de alguns momentos pensando na resposta.
Agora dirigia-se ao dono do aquário, que estava de braços cruzados e com a pior expressão imaginável no rosto. Charlie tentou consolar Serena, enquanto, sem ser intimidado, Calem encarou o dono nos olhos:
— Quanto vocês pagaram para esse Goomy chegar aqui, e quanto fica o conserto do vidro? — perguntou de uma vez.
O homem, após um olhar duvidoso com as sobrancelhas arqueadas, puxou em seu bolso apertado um papel todo amassado, com um valor que provavelmente era o orçamento do reparo do dano causado por Serena. Mostrou para Calem, que o examinou, e logo fitou de volta o senhor:
— Pagamos o triplo disso se deixa-la ficar com o Pokémon sem que os pais sejam notificados. — disse, com firmeza. — Acho que não precisamos incomodá-los com essas besteiras, não é?
Escolhas pessoais trazem consequências para os outros ao redor. Quando se fala de uma família como a nossa, - e digo isso sem qualquer orgulho – um pequeno rumor logo vira capa de revista de fofocas, daquelas que minha mãe lia enquanto o cabelereiro lhe fazia um penteado novo. Uma fotografia da filha de um dos homens mais poderosos de Kalos cometendo um crime é um prato cheio para um colunista procurando furos para manter o emprego. E, por mais bravo que estivesse com Serena, sabia que Stevan não ficaria nada satisfeito se soubesse disso.
Depois de alguns momentos ponderando, o homem fechou os olhos com força e fez gestos como quem afastava uma ideia para longe:
— Não foi apenas uma besteira. — rebateu, guardando a conta de volta. — Não aceitamos suborno.
Calem arqueou uma sobrancelha e revelou um pequeno sorriso.
— Então iremos processar o Aquário. — disse com simplicidade. — Por maus tratos e aprisionamento indevido de Pokémons.
O dono jogou a cabeça para trás.
— Isso é loucura!
Calem aproximou-se dele, abaixando um pouco o tom de voz.
— Minha prima é muitas coisas, senhor. Inocente. Tola. Inconsequente. — enumerou. — Mas não é mentirosa. Se ela disse que havia um Pokémon doente ou incomodado, então havia. — falou ele com convicção. — E duvido que seja difícil encontrar outro Pokémon nesse estado para provar, sendo que todos estão presos em caixas cheias de água.
O homem começou a suar frio, e Calem notava seu incômodo pela forma com que mudara sua respiração, agora mais ofegante. Com o avançar dos anos, aquários começaram a receber objeções e reclamações. Bastava um escândalo para que o maior aquário de Kalos ser forçado a fechar as portas. O dono sabia disso. Calem também.
— Quer o meu conselho? — falou o garoto, colocando algumas notas dentro de um envelope, tirando o homem do transe. — Pegue o dinheiro de uma vez. E fique em silêncio. Ou garanto que os advogados da família Windsor farão muito, muito, mas muito pior do que estou fazendo agora. — e empurrou-lhe o envelope.
Àquela altura o dono pegara o pedaço de papel trêmulo, e sua pele encontrava-se bem mais pálida. Puxou Serena, que estava um tanto distante, por um braço e Charlie os seguiu. Quando tentaram barrar sua saída, alguns funcionários avisaram que o trio estava autorizado a se retirar. Procuraram um vão onde não havia mais um aglomerado grande de pessoas, mas mesmo assim alguns fotógrafos tentaram aproveitar a chance. Escondendo o rosto, correram e conseguiram despistá-los.
— Cal… O que você fez? — perguntou a menina, um pouco com medo.
— Apenas o que eu tinha que fazer. — respondeu ele de forma ríspida.
— Eles não vão avisar o pai da Serena? — questionou Charlie, duvidoso.
Calem suspirou.
— Provavelmente não.  — disse, por fim. — Agora vamos logo, está escurecendo. Amanhã iremos embora desse lugar bem cedo.