Capítulo 17



Capítulo 17
Bem-vindo
O som do freio sendo acionado ecoou alto, com um ranger de metal agudo durando alguns instantes, à mesma medida que o rapaz sentiu-se desacelerando.
Recostou-se em seu assento confortável quando finalmente parou e guardou sua edição de uma revista de treinador na mochila. Quando se sentiu seguro e viu as demais pessoas levantando-se, fez o mesmo e dirigiu-se a uma pequena porta que abriu automaticamente após a parada. Como todos seguiram em direção a ela, também o fez. Ouviu uma voz quase mecanizada ao longe:
Bem-vindos à Gare Du Nord. O próximo trem, com destino à estação de Kiloude City, chegará em alguns minutos. Cuidado ao aguardar o transporte. Desejamos a todos uma boa experiência em Lumiose, a Cidade Luz!
Quando deixou a porta do trem, ficou um tanto paralisado. Mal tivera tempo de admirar tudo parado, pois o grande fluxo de pessoas o empurrou para frente. Onde estava era grande. Bem grande. O teto, metros acima, era sustentado por imensas pilastras de pedra, onde intercalavam janelas semicirculares que permitiam a entrada dos frágeis raios de luz daquela manhã nublada. Muitas lâmpadas distribuídas uniformemente auxiliavam a tornar o lugar ainda mais brilhante. Havia tantos trens que se perguntava se havia tantos lugares assim para viajar. Anúncios por todos os lados, placas, — algumas que não entendia o que diziam — pessoas conversando e caminhando com certa agilidade seguiam por todas as direções. Dezenas de histórias reunidas, correndo contra o tempo. Em um local estratégico, um televisor se posicionava, apresentando a mensagem:
GARE DU NORD — LUMIOSE CITY

BEM-VINDO A KALOS


Ainda que visse por todos os lados indícios da modernidade, a arquitetura da estação e sua composição de pedras davam-lhe a impressão de que fora construída séculos atrás, formando um misto paradoxal de antigo e moderno: estátuas de pedra antigas dividindo espaço com monitores imensos e tecnológicos com informações em tempo real dos trens, que iam e vinham de forma quase coreografada. Havia placas em diversas direções, mas não sabia ao certo qual delas era a correta ou para onde iria. Sequer sabia que caminho seguiria. Passado o primeiro choque, e já sem estar envolvido por tantas pessoas, cobriu os braços com as próprias mãos, encolhendo-se.
— Por Tapu, esse lugar é… Frio. — disse baixinho para si mesmo, embora soubesse que ninguém ao redor ouviria.
E não era para menos. Coberto apenas por uma regata e uma bermuda, destoava das pessoas ao redor — trajadas com roupas mais apropriadas ao frio daquele dia, entre casacos e cachecóis de cores variadas e que pareciam muito elegantes. Perdido, sentou-se em um banco, enquanto observava as pessoas, aparentemente não muito amistosas, caminharem até seus destinos. Olhou para um relógio pequeno e simples que guardava no bolso e comparou com um outro fixo em uma pilastra. Estavam completamente diferentes.
Estava fascinado, porém, gostaria de não estar tão perdido — e nem com tanto frio. Ouviu, entre as conversas atravessadas e anúncios mecanizados, o ranger de metal suave de outro trem chegando, e com ele uma nova leva de pessoas apressadas também surgiu. De lá, notou uma garota que veio próximo de sua direção, parando em uma banca de revistas ao seu lado.
Bonjour. — esboçou um pequeno sorriso ao dono da banca. — O jornal de hoje, por gentileza.
Após pegar o jornal e pagá-lo, sentou-se no banco, ao seu lado. Observou-a com um pouco de atenção. Vestia um moletom comprido e aquecido para o frio — o qual invejou naquele momento. Tinha olhos azuis grandes, que se escondiam por trás das lentes de seus óculos. Os cabelos, curtos, eram de um vermelho vivo, e se distribuíam de maneira desordenada. Sua feição destoava levemente das pessoas ao redor. Era bonita.
Percebendo que estava sendo observada, virou-se para ele:
— Precisa de alguma coisa? — disse, em um tom que não soube distinguir se era simpático ou sarcástico.
Apesar de ser uma pergunta quase retórica, dadas as condições, não foi capaz de dar outra resposta:
— Na verdade sim. — respondeu, um pouco sem jeito. — Pode me dizer onde fica…
A menina ajeitou os óculos com uma mão, enquanto o examinava com uma expressão indiferente. Só então percebeu que sequer sabia ao certo para onde deveria ir. Por sorte, depois de alguns momentos sem uma resposta definitiva, a menina logo o interrompeu:
— Você não é daqui, certo? — indagou, com um suave toque de humor.
— Está tão óbvio assim? — perguntou a ela, tentando disfarçar.
— A julgar que está dez graus lá fora e você está de bermudas, sim, é nítido. — ela riu, mas era um riso suavemente arrogante.
—Na verdade estou um pouco perdido. — admitiu. — Tu poderia me ajudar?
A garota examinou o relógio mais próximo, enquanto guardava as folhas de jornal dobradas em sua bolsa amarronzada. Em seguida, sorriu, mas sem tirar a expressão sarcástica do rosto.
— Acho que tenho tempo para um café. — disse, enquanto se levantava. — À moda Lumiose.
...
Serena acordou de seu cochilo com o som de uma porta velha rangendo.
Calem entrou no quarto mal-humorado, sem sequer dar-se conta que a prima tentava dormir. Jogou uma toalha molhada na direção de sua mochila, enquanto andava com os pés batendo, enraivecido. Colocou um nécessaire de volta em seus pertences, enquanto esbravejava:
— Dá para acreditar que quase não tem banheiros nesse palácio imenso? Construíram setecentos quartos, MAS NINGUÉM COGITOU A POSSIBILIDADE DE CONSTRUIR BANHEIROS?
Serena permaneceu em silêncio. Tentou fechar os olhos novamente para dormir, mas Calem continuava a resmungar:
— Tudo bem que é uma construção de séculos atrás, mas é meio repugnante imaginar que as pessoas jogavam as necessidades… Pela janela . — reclamou. — Precisei andar dez minutos até o vilarejo mais próximo e implorar por uma ducha quente, já que o banheiro pra turista daqui não tem chuveiro — falou, enquanto continuava arrumando sua mochila. — Tenho medo de perguntar o que o tio Louis faz quando acorda no meio da noite querendo urinar.
Pelo menos ele não acorda no meio da noite e sai descalço atrás de um espírito de séculos atrás.
Ele virou-se para a prima, que permanecia deitada, olhando na mesma direção, quase hipnotizada. Aquilo o incomodou ligeiramente.
— Serena, você está me ouvindo?
A menina esfregou as mãos nos olhos, espreguiçando.
— Estou, Cal, estou. — disse, com um pequeno toque de amargura. — Só estou cansada, não dormimos nada nessa noite, e o tio disse que os turistas começam a chegar daqui a pouco, então precisamos levantar.
— Talvez eu tenha um pouco de culpa nisso. — admitiu ele em tom baixo.
Serena colocou-se sentada de forma gradual, a fim de evitar tonturas ao levantar depressa.
— Eu só queria entender o que aconteceu. — suspirou.
— Foi esquisito, eu…
Naquele momento a porta foi aberta novamente, após algumas sutis batidas. Uma moça, trajando roupas típicas de camareira, fez um sinal pedindo desculpas ao receber os olhares simultâneos dos primos.
— Senhores Windsor, perdão por interromper. — abaixou-se várias vezes em sinal de respeito. — o senhor Louis pediu para avisá-los que o palácio estará sendo aberto para visitas em alguns minutos.
— Tudo bem. — concordou Calem. — Obrigado.
A moça novamente fez alguns gestos de respeito e se retirou, tímida, após fechar a porta. Serena acabou levantando e tornou a observar ao seu redor, enquanto Calem arrumava sua mochila. Observou alguns quadros pendurados na parede, com pinturas de uma família com vestes bem antigas. Provavelmente algum dos antigos habitantes do Parfum Palace.
Enquanto isso, Charlie sentava-se no chão em outro cômodo, um tanto escondido atrás de uma cama. Em seu colo, redigia em uma folha em branco algumas palavras, à mesma medida que olhava para um pequeno caderninho, como se buscasse inspiração nele. O rapaz assustou-se quando a porta do quarto subitamente abriu e Serena entrou. Vendo que o garoto aparentava estar surpreso, a menina indagou:
— O que você estava fazendo?
Charlie ficou sem jeito por um momento, levantando-se suavemente enquanto deixava o caderninho e a folha no chão, disfarçando ao fingir que alongava o corpo.
— Nada demais, princesa. Achei que estivesse tentando dormir. 
— Eu estava, mas é melhor irmos andando desde já. —  respondeu Serena, um pouco desconfiada, movendo a cabeça para investigar ao redor. — O que você estava fazendo com meu diário?!
Charlie deu um salto, pronto para disfarçar novamente, mas Serena logo correu para pegar o caderninho. Ruborizada, a garota prendeu-o entre seus braços. Após alguns instantes, conseguiu olhar nos olhos do menino, e carregava indignação em sua expressão.
— Charlie, isso é particular! — falou, mais alto que gostaria.
— Ora, eu estava apenas curioso para saber se você falava de mim. — defendeu-se, um pouco sem jeito.
A menina respirou fundo, como se tentasse não perder a calma, mas seus braços tremiam um pouco.
— Até onde você leu?
— Eu? Bem…  — ficou por alguns momentos perdido. — Não me lembro agora.
Parece um pouco bobo que uma menina de quinze anos ainda tenha um diário, mas para mim é algo muito importante. Sinto que devo deixar tudo de importante registrado, porque as memórias um dia desaparecem, e quero poder ler não apenas para relembrar as coisas, mas para ver como as enxergava. É engraçado ver anotações que eu fazia imaginando como é o mundo fora da minha casa, e compará-las com as que faço hoje, relatando o que eu vivo de verdade. Mas, apesar de bobo, não deixa de ser algo pessoal. Até porque eu havia, sim, escrito sobre o Charlie.
Ela fez um olhar de chateação, e abriu novamente a porta.
— Vamos logo.
Ambos pegaram seus pertences no outro quarto, encontrando Calem, e desceram as escadarias do final do corredor. Algumas pessoas caminhavam nos outros andares, admirando as antiguidades que sobreviveram ao tempo. De fato aquele luxo era surpreendente: as estátuas, pinturas, móveis, vestes, papéis de parede…
Quando desceram, seu tio estava no saguão principal, recebendo alguns turistas e dando dicas de quais quartos deveriam ser visitados e fotografados. Ao avistar os jovens se aproximando com suas mochilas, não evitou um olhar melancólico, indo até eles:
Oh, fiquem mais um dia, é tão bom ter a companhia de vocês! — pediu, juntando as mãos.
Os três deram uma risada simpática.
— Precisamos mesmo ir, tio, temos de tentar chegar até Cyllage Townainda hoje. — informou Calem.
— Será uma tarefa difícil, ela fica um tanto longe daqui. — disse Louis, fazendo sinal para uma das moças uniformizadas que trabalhavam para ele. —  Por favor, querida, pegue alguns mantimentos para os jovens levarem.
— Sim, senhor. — disse ela, correndo até a cozinha.
O Furfrou do tio passou pelo saguão, o sininho no pescoço balançando a cada passo. Algumas pessoas paravam para admirá-lo, mas o Pokémon parecia exibir um olhar ranzinza. Sem se dar conta, foi puxado por Louis para um abraço apertado, batendo as patas para tentar escapar, enquanto o senhor soltava uma risada de satisfação.
— Sentiremos saudades de vocês! Espero que tomem muito cuidado!
Após a moça trazer um conjunto de embalagens com alimentos, —  e levarem abraços bem apertados. — o trio partiu, deixando o imenso Parfum Palace pelo imenso portão de entrada. Após alguns passos no piso bicolor externo, Serena voltou a encarar a imensa e histórica construção dourada, que brilhava como o sol naquela manhã, mesmo com o tempo nublado. Agora estariam de volta na estrada.
— Espero nunca mais passar por esse lugar. — balbuciou Calem
— Eu também espero que você nunca mais passe. — comentou Charlie, o tocando no ombro. —  Ou, se passar, que eu não esteja com você quando resolver bancar o doido dos espíritos.
...
Após certo tempo de caminhada, o trio chegou à bifurcação pela qual passaram anteriormente. Era possível avistar, ao longe, as fortificações de Camphrier. Desta vez, seguiram pelo terceiro trajeto possível, onde viam um extenso caminho de flores e um córrego a certa distância. Tratava-se de umas das mais extensas rotas de Kalos. Alguns treinadores corriam pelo ambiente, batalhando, ou apenas admirando o espaço natural com seus Pokémons. Serena sentia-se à vontade, lançando seu Flabébé para aproveitar as diversas flores presentes na rota, enquanto sentavam-se para comer algo.
Tendo se alimentado e após retornarem ao trajeto, puderam notar a presença também de uma estrutura grande próxima ao riacho que atravessava a Rota 7, após um grande período andando. Com um ar histórico, um castelo estendia-se imponente. Altas torres de vários formatos formavam o que aparentava ser um salão principal, e em seguida a construção seguia uniforme na parte de trás, com duas camadas de janelas dividindo a estrutura. O telhado de um tom azul desbotado acompanhava alguns detalhes que enfeitavam o castelo. O mais interessante era que, apesar de imensa e claramente pesada, a construção era sustentada por alguns pilares e atravessava o rio. Em uma placa lia-se: “Battle Chateau”.
Sabiam que o Battle Chateau era um espaço famoso de batalhas em Kalos, criado séculos no passado, onde nobres utilizavam o ambiente para combates esportivos e competições internas. Nos últimos tempos, o castelo funcionava como centro de torneios, e em algumas oportunidades sediava batalhas mais sérias, até mesmo a Liga Pokémon. Era inclusive frequentado tanto por treinadores iniciantes como por celebridades do continente, como líderes de ginásio e membros da Elite.
Várias pessoas se espalhavam pela entrada, alguns inclusive com seus Pokémons. Todos voltaram-se para uma mesma direção quando ouviram um rapaz praguejar alto, sendo puxado por uma dupla de seguranças. O garoto aparentava ter cerca de treze anos, e não diferia muito de outros treinadores comuns que costumavam desafiar Calem para batalhas em outras rotas.
— Sinto muito, senhor, mas aquele torneio é exclusivamente para Duques e superiores, e você sequer possui um título para frequentar o espaço. — disse um dos seguranças, sem pestanejar.
— Mas o preço do primeiro título já é enorme! — disparou o garoto.
— Sinto muito, senhor, são as regras do Battle Chateau. — falou o segundo segurança, empurrando-o, por fim.
O menino afastou-se, rogando uma praga em volume alto, e chamando a atenção dos demais presentes. Ele passou pela frente do trio, cortando seu trajeto sem perceber, enquanto continuava murmurando, nervoso. Os três se entreolharam, mas nada disseram, prosseguindo a caminhada.
Em torno do castelo também havia pintores, que aproveitavam a paisagem para buscar inspiração. Uma brisa fria levava o aroma das flores, tornando a rota naturalmente perfumada. O caminho encerrou com a entrada para uma caverna, a Connecting Cave, responsável por interligar a rota com a cidade de Cyllage.
Se antes os raios de sol do lado de fora eram escassos, do lado de dentro tudo era ainda mais escuro. Havia algumas lâmpadas por pessoas, levando em conta que aquela área da caverna era frequentada por treinadores. Contudo, o ambiente ainda parecia um tanto imprevisível, onde cada ruído era amplificado e ecoado pelas paredes. Calem tomava cuidado a cada passo, com medo até mesmo de onde pisava.
— Eca, é tão terrível sair de um palácio maravilhoso e voltar para a dura realidade de uma caverna suja e úmida. — resmungou.
— Pare de frescura, Calem, é apenas uma caverna. — rebateu Charlie. — Crianças de dez anos atravessam.
Serena deu risada, enquanto o rapaz o encarou com um olhar fuzilante. A menina não se importava em atravessar a caverna. Inclusive parecia fascinada com o ambiente. Era como se imaginasse que tipo de criaturas habitavam aquele espaço inóspito e misterioso, e à mesma medida que isso a assustava, também a empolgava.
Charlie guiava o grupo por um trajeto, mas logo ouviram um grupo de pessoas conversando na direção em que seguiam. Depararam-se com alguns senhores amontoados, trabalhando em um local onde parecia ter havido um desmoronamento que impedia que prosseguissem por aquele caminho. Um dos homens voltou-se para eles, ao vê-los se aproximando:
— Jovens, desculpe, esse caminho está interditado. Houve um deslizamento nessa área. — explicou.
Os três concordaram e deram alguns passos, se afastando. Em seguida, ficaram juntos, refletindo.
— Que droga, eu não contava com isso. — reclamou Charlie.
— E agora? Eu não quero voltar para o palácio do tio Louis. — falou Serena, temerosa.
— Calma, princesa, podemos pegar outro caminho. — disse Charlie, raciocinando por um tempo. — Se contornarmos pela Route 8, também chegaremos a Cyllage.
— Pelo mapa parece um pouco longe... — comentou Calem, puxando seu mapa e fazendo um esforço para enxerga-lo no escuro.
— É longe. Sugiro que partamos para a Route 8, e nos hospedemos por uma noite em Ambrette Town. De lá, partimos para Cyllage. — disse Charlie, apontando para o mapa.
— Parece um bom plano. — concordou Serena, por fim.
— E confiem em mim, valerá a apena atravessar esse lugar. — sorriu o garoto.
— Por quê? — questionou Calem.
— Você verá.
Após tomar um caminho alternativo, encontraram uma saída, ainda um pouco distante, mas já era possível observar os raios de claridade que provinham dela. Charlie olhou sorrindo para Serena, mas a garota não entendeu o motivo ao certo. Tentando compreender o porquê, permitiu-se aguçar sua audição, ouvindo um som curioso ecoando por entre as paredes que envolviam a saída. Era um vai e vem incessante e em baixo volume, que por algum motivo a relaxava.
— O que é esse barulho? — indagou, ouvindo uma risadinha do menino.
Curiosa, acelerou o passo em direção à saída. Cobriu o rosto com os braços por um momento quando a súbita claridade a incomodou, e logo ouviu o som intensificando-se. Quando puderam olhar para fora da caverna, Calem e Serena arregalaram seus olhos, ficarando boquiabertos e sem qualquer reação para esboçar em palavras.
— Bem-vindos à Coastal Kalos. — apresentou Charlie. — Mais especificamente à Muraille Coast.
— Nossa. — foi tudo o que Calem foi capaz de dizer após alguns segundos em silêncio absoluto.
A Route 8, também chamada de Muraille Coast, marcava a divisão entre a parte Costal e Central de Kalos, com uma clara diferença de relevos: possuía uma área superior e rochosa, a falésia após a saída da caverna, que a ligava à Ambrette Town. Apesar de rochosa, a área possuía certa vegetação, e abrigava espécies diversas de Pokémons que viviam tanto no litoral quanto na parte central da região; Também havia uma parte inferior, composta apenas por areia, que formava uma praia, em direção a Cyllage. Aquele era o limite ao oeste de Kalos, onde o mar azul-esverdeado encontrava a terra, e trazia consigo um som harmonioso quando as ondas enfrentavam as pedras e levantavam o aroma de maresia no ar.
Não importava o quão longe observassem, seus olhos se perdiam na imensidão azulada. Se onde estavam antes o tempo parecia nublado, naquela região as nuvens já se dispersavam, permitindo que as águas refletissem aquele tom, em uma mistura com um verde inacreditável. Uma linha demarcava a divisão, muito ao longe, entre o mar e o céu. Parecia tão próxima, mas ao mesmo tempo tão distante...
— Vocês vêm ou ficaremos aqui o dia todo? — provocou Charlie, começando a caminhada novamente.
Os primos, ainda um tanto impactados, o acompanharam no passo.
— Eu não me importaria, na verdade. — sorriu Serena.
— Algo a reclamar, Calem?
O garoto ficou por um momento reflexivo, observando a maravilhosa vista.
— Essa brisa… — comentou, um pouco baixo. — Cheira a peixe.
— Claro. — respondeu Charlie, sem muita surpresa.
Naquele momento, enquanto os dois discutiam, percebi que nunca havia visto o mar na vida. É lindo por trás de uma tela, por trás de uma fotografia. Mas aquilo que eu sentia naquele momento não poderia ser capturado, e sim vivido. Àquela altura víamos as ondas quebrarem na areia e nas pedras, e por onde nossos olhos corressem, havia oceano ou um interminável caminho rochoso e vegetal. Ventava muito forte, de forma que meu cabelo esvoaçasse, e precisássemos, às vezes, falar em tom mais alto. Mas quer saber? Era o lugar mais lindo que eu já vira em toda a minha vida até aquele momento.
— Cal… Será que amanhã podemos… — arriscou Serena. — Nadar no mar?
O rapaz ouviu a pergunta e continuou andando, por alguns momentos. Charlie aguardou a resposta tão ansioso como Serena, imaginando o que o garoto seria capaz de responder.
— Ah, mas é claro, Serena. — disse ele. — Eu adoraria virar comida de Pokémon aquático. Por que não rolamos na areia antes, para ficarmos à milanesa?
Silêncio.
— Você não sabe ser sutil? — rebateu Charlie, dando-lhe um soco no braço.
— Não sei se é uma boa, princesa, — disse, se aproximando de Serena, com um tom de voz mais tranquilo. — porque não teríamos onde tomar banho, e tudo mais. Mas quando chegarmos a Cyllage, com certeza!
Ela sorriu, mais alegre. Charlie foi agora mais próximo do outro menino.
— Amanhã de qualquer forma teremos de passar pela praia a pé. Sabe o que é pior que terra? — perguntou a Calem. — Areia.
— Não brinque comigo, Charles.
— Se bem que eu não recomendaria um banho de mar. — ponderou ele. — Kalos é um pouco fria para isso.
...
Café Noisette.
O garçom, com agilidade, anotou em um bloquinho o pedido. Em seguida, levantou os olhos e encarou o rapaz. Ele olhou para a menina, quase como um socorro, e apenas soltou um:
— O mesmo.
Concordando com a cabeça, o garçom retirou-se, deixando-os a sós. Ou nem tanto.
Era em torno de dez e meia da manhã, horário em que as ruas de Lumiose já estavam cheias e ativas. O café em que estavam tinha quase todas as mesas ocupadas. O garoto estranhou que se sentavam em uma mesa que ficava exatamente na calçada, onde pessoas passavam em volta constantemente. Apesar de ouvir o som de carros, ali não havia muitos transpassando — era uma rua relativamente calma.
O dia estava frio, com o céu nublado e pálido, sem qualquer indício de sol, mas ninguém parecia se abalar com isso. Grandes árvores plantadas espalhavam-se uniformemente pela calçada, mas eram bem diferentes das quais o garoto estava acostumado: eram mais opacas, e estavam sem folhas em seus galhos retorcidos e longos. As pessoas em volta vestiam várias camadas de roupas, algumas delas bem grossas, e todas em um estilo próprio e curioso. Seu nariz detectava diferentes perfumes, desde os mais doces aos mais amadeirados a cada vez que alguém passava ao seu lado.
— Então, — após ouvir, voltou sua atenção para a garota em sua frente, depois de alguns instantes perdido na paisagem. — por que você disse que está aqui, mesmo?
Ele encurvou um pouco, tentando se aquecer-se com uma blusa emprestada da menina.
— Eu vim para disputar a Liga Pokémon de Kalos. — respondeu, a voz um pouco fraca. A menina, apesar de uma expressão neutra, parecia se divertir.
— Um treinador… — analisou. — Suponho que você já deve ter participado de outras competições, então.
— Mais ou menos. — respondeu, com simplicidade. — A Liga de onde eu morava ainda estava sendo criada, é bem recente.
— E você é de…?
— Konikoni. — respondeu, com naturalidade. — Akala Island — explicou melhor, corrigindo-se. — Alol…
— Sim, eu sei onde fica. Alola. — disse a menina, fazendo um gesto com a mão, um pouco ofendida. — Estava só refletindo… Isso explica sua confusão no metrô hoje de manhã.
— Minha cidade era até grande lá, mas nem se compara a… Isso. — disse, olhando ao seu redor, um pouco risonho, um pouco surpreso.
— Garoto, nós só saímos da estação e paramos em um café de esquina. Você ainda não viu nada. — disse ela, rindo de forma sarcástica. — Se você estivesse em Castelia, então…
O rapaz ficou a encarando, com uma expressão dúbia.
Castelia City… — ele continuou em dúvida, a fazendo aumentar suavemente o tom de voz. — Unova.
Ele coçou a cabeça com um pouco de dificuldade, dado que a blusa que vestia era um pouco pequena para o tamanho de seu braço. A garota ajeitou seus óculos, incomodada. Um outro garçom interrompeu a conversa quando trouxe, equilibrando em sua bandeja, duas xícaras pequenas. Depositou-as na mesa com calma e se retirou, após receber um “obrigado”. A menina praticamente cuspiu as palavras seguintes:
— Como assim você não conhece???
— Já devo ter ouvido falar, mas agora não lembro. — disse, um pouco constrangido. — Mas deve ser maneira também.
— É o maior polo econômico e tecnológico mundial. — falou, ríspida, enquanto destampava o adoçante e pingava pequenas gotas sobre seu café. — E minha cidade natal, é claro.
O rapaz olhou para sua xícara, sentindo um aroma delicioso. Já havia provado café, mas claramente não na mesma situação e nem com o mesmo aroma. Uma fumaça quente era emanada da bebida, que o tentou, naquele frio. Tomou um gole, mas logo afastou a xícara, abanando a própria boca.
— Acho que você não deve ser muito acostumado com café bem quente. — deduziu ela.
O rapaz soltou um riso desconsertado. Pegou um saquinho de açúcar e despejou quase inteiro na bebida, mexendo com uma pequena colherzinha de metal. A garota observava o movimento tranquilamente enquanto bebia do café quente de forma natural.
— Então quer dizer que tu não é daqui também? Eu jurava que era nativa de Kalos. — comentou, tentando puxar assunto.
— Não, estou aqui há dois meses. — respondeu.
— Também é treinadora, então? — questionou ele, empolgado.
Ela deu uma risada debochada.
— Não, não sou uma treinadora. — disse, ainda rindo. — Sou uma pesquisadora. Mas não de Pokémons. — especificou. — De ciências mais humanas, mesmo.
— E por que uma pesquisadora como tu deixaria teu lar tão maravilhoso pra viver nesse… Inferno gelado? — perguntou, um pouco provocativo.
Ela mexeu seu café com uma colherzinha, observando o desenho na espuma do leite, e o vapor quente subir. Seus óculos embaçavam ligeiramente quando fazia isso.
— Unova é a melhor. — disse, tirando os óculos para limpar e revelando um par de olhos azuis penetrantes e impassíveis. — Mas Kalos é o berço da nossa cultura. O berço da razão, da história, da arte, e da moda. Eu precisava de um tempo de estudos por aqui — respondeu ela, com um sorriso confiante no rosto.
— E nunca pensou em ser treinadora? — questionou ele um pouco duvidoso.
Ela sorriu:
— Garoto, você fez uma escolha interessante mudando-se para cá. — falou, enquanto puxava alguns de seus livros na bolsa, após tomar o último gole. — Kalos tem uma liga tradicional e histórica. Mas não é um bom momento. As batalhas não estão exatamente em alta como antes.
— E por quê? — indagou, rispidamente.
Ela riu, estendendo as mãos, para que olhasse à sua volta.
— A moda, a tecnologia… A história. — disse, mostrando a capa de um de seus livros. — Sair ao redor do mundo, lutar, virar um mestre Pokémon… — falava, de modo caricato. — Tudo isso é bem legal. Mas o mundo é muito mais que isso. Pessoas crescem. Civilizações evoluem.
— Eu acho que você tu errada. — disse ele, de uma vez.
— Bom, pense como quiser, garoto. — falou, confiante, enquanto puxava uma carteira em sua bolsa.
A menina levantou a mão, e o garçom lhe trouxe a conta. Ela tirou algumas notas da carteira e deixou junto com o um bilhete que indicava o valor a ser pago. Em seguida, depositou novamente a carteira na bolsa. Voltou os olhos para o rapaz mais uma vez, que ainda a observava com dúvida.
— Está pago, e com a gorjeta inclusa. — explicou. — Eu preciso ir, estou atrasada, e minha amiga já deve estar me esperando.
— Ei, não, deixa eu pagar, gatinha. Tu já…
— Fica de cortesia. — disse, de maneira quase grossa, colocando a bolsa em torno dos ombros e segurando os livros contra o peito. — Deixe-me dar três conselhos a você… Desculpe, não perguntei seu nome.
— Mikala. — respondeu, de forma simples.
— Mikala, — corrigiu. — Meu nome é Ashley. — apresentou-se, sem muito enfoque. — Primeiro: na cidade grande, tempo é dinheiro. Acostume-se com isso.
Ele acenou com a cabeça, não convencido, mas não debateu. Apenas ficou aguardando as próximas palavras da menina, como quem aguarda as próximas barbaridades a serem ditas.
— Segundo, — falou, levantando-se. — Vá para o laboratório do Professor Sycamore. Fica a algumas ruas daqui. Ele vai poder te ajudar.
Ela se levantou, ajeitando a bolsa no ombro, e começou a se afastar. Quando ia passar ao seu lado, Mikala a segurou pelo pulso e indagou, sem encará-la:
— E o terceiro?
— Terceiro, — disse ela, voltando-se, para ele, e aproximando-se o suficiente para que ele visse o hálito da menina subindo como um vapor quente. — o estilo surfista já está batido desde a década passada.
A menina começou a andar, e Mikala cruzou os braços. Quando sentiu a dificuldade, pelas mangas curtas da blusa que usava, gritou, virando-se para ela:
— Sua blusa!
—Não precisa devolver. Não quero que você morra congelado, assim. — disse ela, com um sorrisinho.
Ele soltou um longo suspiro. Quando olhou para a cadeira em que ela estava sentada, notou um pequeno pedaço de papel, que deveria ter caído de sua bolsa quando ela pegou os livros. Ele examinou o que tinha escrito, e entre várias informações e dados sobre o trabalho da garota, havia um endereço.
“Edifício Notre Reve, Vernal Avenue. Quarto 32”
O garoto ficou sentado, observando as pessoas passando pela rua. Falatórios em um sotaque estranho, uma brisa gélida soprando, contrastando com o vapor quente de seu café. Ficou observando a xícara da menina. Sentiu-se perdido, e ficou a questionar se de fato estava tomando a decisão correta ao ter se mudado. Em Alola tudo seria diferente naquele momento. As pessoas estariam se cumprimentando, rindo alto, e bebendo algo para refrescar. Tomou um longo gole quente de café para tentar afogar o sentimento ruim. Um novo caminho o aguardava.
Quando a garota estava prestes a passar em frente à porta do café, acidentalmente trombou com m homem alto, derrubando os livros que carregava. Ele abaixou-se para ajuda-la, se desculpando. Ela recolheu dois dos livros, mas um terceiro ele ficou encarando em suas mãos, enquanto gradualmente colocava-se novamente de pé. Ashley o olhou discretamente, notando uma barba e um cabelo ruivos bagunçados, mas em um estilo sério ao mesmo tempo. Vestia um terno negro com a lapela coberta por grossos pelos brancos. Ela sabia que era um dos cientistas mais importantes de Kalos, Lysandre.
A capa do livro dizia “KALOS: Formação histórica e a Grande Guerra”
— Livro interessante. — disse o homem, com um tom de voz grave e interessado.
A menina puxou o livro de sua mão, um pouco séria.
— Obrigada. — disse, voltando a caminhar, um pouco incomodada. O homem sorriu e ficou observando enquanto a garota de cabelos ruivos desaparecia na multidão.
...
— Eu não… — dizia Calem, extremamente ofegante. — Aguento mais… Andar.
— Calculo que em mais meia hora chegaremos a Ambrette. — tranquilizou Charlie.
— Nós estamos andando o dia inteiro. — argumentou o garoto. — Podemos fazer mais uma parada?
— Nossa última parada foi quinze minutos atrás.
Vendo que Calem de fato estava cansado, concordou. De fato haviam percorrido um caminho imenso ao longo das horas, maior que em qualquer outro dia de viagem, principalmente quando precisaram se desviar de Cyllage para Ambrette. O sol estaria prestes a se por, mas por sorte era possível avistar ao longe algumas edificações no final da formação rochosa, que indicavam que a próxima cidade estava um tanto perto.
O trio procurou um local para se sentar. Calem retirou seu clássico paninho e verificou onde iria apoiar-se.
— Eu disse que poderíamos dormir na caverna e continuar o caminho amanhã. — comentou Charlie, sobre a caminhada.
— Dormir na caverna. — gargalhou Calem. — Há há. Engraçadíssimo, Charles. Poderíamos inclusive dormir de ponta cabeça, com os Zubats que moram lá. Seria ótimo.
— O caminho alternativo até Cyllage é enorme. — continuou o garoto. — Ainda bem que temos Ambrette no caminho.
— Parece uma cidade interessante. — falou o outro, observando seu guia de bolso. — É um polo de pesquisas de Kalos.
— Imperdível. — disse, sem muita animação.
— Seu interesse científico me encanta.
— Cal… — Serena interrompeu a conversa, enquanto ainda observava a vista, e bebia um gole de água em sua garrafa. — Você tem treinado?
O garoto ficou um pouco espantado pela pergunta, mas concordou.
— Que pergunta, Serena. É claro que eu tenho treinado. Por que a pergunta?
— Por que sua próxima batalha de ginásio vai ser em alguns dias, e a última foi…
— Um desastre. — resumiu Charlie, sem hesitar.
— Charlie! — protestou a menina, dando-lhe um tapinha. Em seguida voltou-se novamente para o primo. —Você ganhou, mas eu sei que os próximos combates precisarão de mais prática.
— O ginásio de Cyllage é especializado em tipos rocha. — disse simplesmente o garoto, sem muitos detalhes. — Já tenho um plano que envolve o Senhor Peixe.
Um silêncio sucedeu esse momento, se não pelos sons ambientes, até Charlie quebra-lo:
— O que poderia dar errado?
Naquele momento os três pararam para observar o sol que se punha ao longe. O sol, com a luz já mais fraca, pintava o céu em tons que variavam do amarelo ao roxo, passando pelo rosa. As águas formavam um caminho alaranjado e brilhante, o tom de azul já se tornando mais escuro. O som das águas também parecia mais singelo, e o vento começava a dar tréguas, parecendo mais uma brisa.

Alguns treinadores já montavam barracas para acampar na rota, enquanto outros seguiam o caminho até Ambrette. Todos, de certa forma, admiravam a vista que lhes enchia o olhar. Embora a região tivesse belezas de todos os tipos, nenhuma se equiparava àquele lugar.
— O interior é bonito. —  admitiu Calem, pronto para continuar a caminhada antes de escurecer. — Mas admito que o pôr-do-sol no litoral tem suas belezas também.
...
Toc toc toc.
Ashley correu de meias pelo chão liso do apartamento, tomando cuidado para não escorregar. Puxou as mangas de seu moletom comprido para permitir que a mão abrisse a porta. Quem estaria batendo na porta àquele horário, sem o aviso da portaria? Quando abriu, deparou-se com um rapaz alto de pele negra, cabelos bagunçados e sorriso empolgado – o mesmo que havia encontrado na estação de manhã.
— Sua blusa. — falou ele, entregando-lhe a veste.
A garota quase soltou um grito de susto em encontra-lo, mas ele a encarava com serenidade.
— Como você entrou aqui? — questionou, alto, tomando sua blusa da mão dele.
— Pela porta, ué. —  disse, de maneira óbvia. —  Tinha um pessoal que estava entrando e eu vim junto.
— Você não pode fazer isso, tem que dar seu nome para o porteiro na entrada. —  rebateu ela, esfregando a palma da mão no rosto, mas logo se acalmando. —  Obrigada.
Quando ela estava prestes a fechar a porta, ele colocou a mão para impedir.
— Ei... — disse. Ela abriu a porta, não melhorou a expressão em sua face. —  Eu posso ficar aqui? O Centro Pokémon está lotado. — pediu, com uma expressão de dó no rosto.
A garota o encarou como se tivesse dito um absurdo.
— Eu moro no apartamento de uma amiga, não posso sair te convidando assim. — falou, simplesmente, pronta para fechar a porta. — Boa noit…
— Quem é, Ash? —  uma voz veio ao longe, revelando uma outra menina, que fez uma expressão de surpresa ao ver aquele rapaz na porta. — Nossa. — disse, ainda um pouco impactada com sua aparência. —  É seu amigo? Não quer entrar?
— Ele já está de saída. — respondeu Ashley por ele.
— Na verdade, eu adoraria. — disse o rapaz, tirando os sapatos para entrar, de forma que as duas tenham achado esse gesto curioso.
O apartamento era pequeno, mas tinha um ar acolhedor. A cozinha logo se interligava com a pequena sala, tendo um balcão dividindo os dois espaços, com cadeiras altas. Havia um sofá bege acolhedor sobre o tapete colorido no chão, e a iluminação não estava muito forte, dando um efeito convidativo.
— Eu estou fazendo chocolate quente. —  falou a menina. — Aceita uma xícara?
Ela tinha cabelos cor de mel curtos, na altura dos ombros, e era pouco mais alta que Ashley. Tinha olhos castanhos grandes e curiosos e um sorriso cativante. Também usava um moletom grosso e uma calça larga, em combinação com uma pantufa de Bunnelby para proteger os pés. Ele sorriu para ela em resposta:
— Seria muito bom, gatinha.
— Já percebi que não é daqui. — disse ela, dando uma risadinha, enquanto colocava o chocolate em uma caneca.
— Sou de Alola. — explicou ele, estendendo a mão para pegar a bebida.
— Alola… Uau, isso é longe mesmo! —  disse ela, momentaneamente afastando o braço de susto. Em seguida aproximou novamente e entregou-lhe a caneca. — Cuidado, está quente. — alertou enquanto sentava-se em um dos bancos perto do balcão da cozinha. — Está aqui há quanto tempo?
— Umas… Doze horas. — respondeu.
— Está ficando em algum hotel? — perguntou, preocupada.
— Hm, na verdade estou procurando onde ficar. — admitiu ele, rindo.
— Fica aqui com a gente. —  sugeriu a menina, levando um olhar fuzilante de Ashley. — Eu também me mudei faz uns seis meses, então sei como é. Pode ficar até achar um lugar pra morar.
— Ele é treinador, Hazel. — interveio a ruiva.
— Melhor ainda, logo ele já vai viajar novamente. —  disse ela ainda mais confiante. — Para onde você vai quando sair de Lumiose?
Ele fez uma expressão de confusão e soltou uma risada despojada, como se indicasse que não fazia ideia. Ela riu de volta.
— Já vi que está perdido. Tem um ginásio aqui, —  explicou. —  e daqui a uns dias a Ash vai viajar pra Cyllage e Geosenge. Ela pode levar você. —  sugeriu, dando de ombros. —  Não é um litoraaaaal como as praias de Alola devem ser, mas acho que você vai se sentir mais em casa.
Se os olhares matassem, certamente Hazel já teria sido morta por Ashley. Vendo o incômodo da garota, Mikala fez um gesto de que não precisava:
— Eu não quero atrapalhar.
— Imagina! —  falou Hazel, jogando a mão de cima para baixo. —  Em Nacrene a gente não deixa a pessoa na mão.
Ele sorriu, revelando uma expressão de satisfação. Hazel pediu ajuda para Ashley em pegar cobertas para o rapaz passar a noite no sofá do apartamento, apesar dos protestos de Mikala para ajudar também. Ele ouviu as duas discutindo, tentando fazê-lo o mais baixo possível, mas ainda assim ele conseguia ouvi-las murmurando. Ao final, Hazel deu-lhe boa noite, enquanto a ruiva levava-lhe uma toalha. Ele ficou segurando a toalha e a encarou.
— Valeu por me receber aqui. — disse, com um sorriso fino.
Ela desviou o olhar, largando a toalha em suas mãos.
— Não se acostume, você vai embora logo. — disse.
— Quando a gente vai pra aquela cidade lá? — perguntou ele.
— Você não vai pra Cyllage comigo. — falou ela, rindo.
Ele coçou a cabeça.
— Cara, você é muito chata.
Embora devesse ser uma ofensa, a menina deu uma risada alta, encarando-o por trás de seu par de óculos. Ela apertou um botão do interruptor, deixando-os na penumbra, enquanto disse, ao ir deitar-se em seu quarto:
— Seja bem-vindo a Kalos.
O rapaz sentou-se próximo à janela, enrolado em seu cobertor e bebendo do chocolate quente que lhe fora servido. Até onde seus olhos alcançassem, podia ver prédios e mais prédios, ruas iluminadas, e uma imensa torre ao longe, a qual já havia visto em muitos pôsteres e cartões postais. Tinha que admitir que tudo aquilo o deixava boquiaberto, embora sentisse uma pontada de saudade de seu continente, onde dormiria com o som das ondas quebrando na praia, e não com os inquietantes ruídos da Cidade Luz, onde os sonhos se encontravam.