Capítulo 1
Em Obras
— Theodore! — a voz ecoou pelo imenso campo vazio.
Eis que um sujeito baixo e gordinho começou a correr, atrapalhado, na direção onde o som fora proferido. Após tropeçar nas próprias pernas três vezes, ele finalmente chegou e se posicionou, batendo continência, enquanto mantinha uma expressão séria. À sua frente estava Neal sentado em uma mesinha, com Mary ao lado.
— Sim senhor, senhor. — falou o Magikarp.
O Larvitar fechou os olhos e aguardou alguns instantes antes de começar a falar. Sua voz, mesmo ele sendo jovem, era grossa, áspera. Como uma rocha se partindo em pedacinhos.
— Como deve ter percebido, estamos passando por algumas pequenas mudanças. — disse. Antes que pudesse continuar a falar, ouviu uma resposta:
— Mudanças…? Mas que tipo de… — o Magikarp se virou e olhou ao redor, soltando um grito de surpresa. — SANTO KYOGRE, O QUE VOCÊS FIZERAM COM ESSE LUGAR?
Theodore, distraído acima de tudo, não havia parado para reparar ao seu redor antes. Um conjunto de Pokémons lutadores e do tipo rocha trabalhavam em conjunto em uma obra, construindo algo. Algo grande. Algo grande o suficiente para que fosse impossível alguém não perceber. Theodore, no entanto, era sempre uma exceção à regra.
— Caso não tenha percebido, há alguns dias essa “mudança” está acontecendo. — falou Neal com toda a calma e firmeza que já lhe era costumeira. — Estamos construindo uma guilda.
O Magikarp soltou um grito exasperado e choroso, enquanto se perguntava “o que vocês fizeram com esse lugar?”, e alternava entre movimentos desajeitados, como um peixe fora d’água. Quando se deu conta, parou para refletir um instante e perguntar:
— O que é uma guilda?
Mary se levantou da cadeira.
— Como assim, Theo, você não sabe o que é uma guilda? — perguntou a menina, colocando as mãozinhas na cintura. — Aliás, o que é uma guilda, Neal?
O Larvitar respirou fundo uma vez antes de perder a calma. Se levantou calmamente da cadeira. Estava tudo calmo. Por que perderia a calma? Começou a narrar algo, como se contasse uma história. Uma antiga história que perdurara por anos, contada de geração a geração.
“Nos primórdios de Kalos, guerras entre grupos de diferentes ideais já ocorriam. Como resultado de uma delas, aliás, que a famosa arma de destruição foi inventada. Não que isso venha ao caso agora. Enfim, essas guerras eram lutadas por exércitos, exércitos que formavam guildas.
As guildas eram compostas por guerreiros com diferentes funções. Aos poucos, conforme o diálogo tornou-se mais importante, as batalhas foram consideradas apenas entretenimentos. Não que isso as fizesse serem menos sangrentas, é claro, mas tornaram-se menores.
Como reconhecimento das difíceis batalhas enfrentadas no passado, batalhas continuam ocorrendo em arenas especializadas, conhecidas como ginásios. A vitória nos ginásios, leva ao Torneio das Guildas, onde as mais poderosas se enfrentam em busca de um prêmio: Lutar contra a Elite 4.
Conhecida como uma das guerras mais duras que se enfrenta hoje, as guerras contra a Elite 4 permitem que o desafiante, caso ultrapasse as 4 Casas, enfrente A Campeã, com o exército mais poderoso conhecido em Kalos.
—Uaaaaaau. — disseram os dois em uníssono.
Neal assentiu, orgulhoso.
— Só não entendi uma coisa. — disse Theodore. — Por que então vamos criar uma guilda?
(Em respeito aos leitores e à elegância, a cena foi cortada).
...
— O.K. — ponderou o Magikarp . — Por que eu tenho que fazer isso? Sou apenas o Bobo da Corte.
Neal o encarou com seus olhos rígidos.
— Eu, como sou o membro mais poderoso e de mais conhecimento, é claro, serei o Guildmaster. — falou, cerrando um dos punhos. — A Mary, como minha protegida, é a segunda no comando. — ele olhou para a menina, que deu um sorrisinho meigo. — E você, pode ser o terceiro. Pelo menos até que eu arranje alguém melhor.
Theodore suspirou.
— Certo. Então eu devo recrutar os outros membros para nossa guilda. — falou ele. — Mas e se eles não aceitarem?
Mary se prontificou.
— Eu vou com você, Theo! — saltitou em direção a ele. — Eu sei ser convincente, acredite! — e deu uma risadinha.
Os dois foram juntos procurar os demais membros, que, na realidade, conheciam apenas de vista. O grupo de Pokémons estava sempre distribuído, dificilmente se misturavam. Talvez, com a construção de uma guilda, aquilo viesse a mudar. A Espurr ia saltitando na frente, enquanto o Magikarp ofegava para tentar alcançá-la na corrida.
Após chegarem a uma área florida daquele campo aberto, ela sabia que encontraria alguém lá. Chamou por ele, até vê-lo saindo do meio das flores, tão pequeno que facilmente conseguia se esconder naquele lugar. Theodore teve certa dificuldade de deduzir se era um menino ou uma menina a princípio, até ver Mary conversando com o ser.
— Eryx, precisamos falar com você sobre algo importante! — falou ela.
O Flabébé cheirou uma das flores, tranquilamente, e em seguida olhou para a amiga, animado.
— Pode falar, Mary! — como uma criança, sua voz era frágil.
Theodore ficou encarando o pequeno sujeito enquanto Mary o explicava todas as informações que Neal havia dado. Após observar uma flor curiosa que jazia em sua mão, o Magikarp percebeu que era um guerreiro do tipo fada, um raro tipo que até determinado tempo só havia sido visto na região de Kalos. Normalmente a raça dos Flabébés era formada apenas por mulheres, o que chamou sua atenção ao ver o rapazinho.
Ele decidiu se aproximar um pouco. Acenou quando Eryx o olhou, e recebeu um tímido aceno em resposta. Mary tentava convencê-lo, com sua voz aveludada e doce, e ele apenas concordava.
— Eu não sei, Mary. — disse, tímido. — Fadas prezam o bem de todos… Eu não gosto de brigas.
— Por que não, Eryx? Brigas tem mortes, e mortes são… Legais… — ela falou, vendo o pequeno arregalar os olhos. — O que foi? Estou brincando, oras. — deu-lhe um tapinha na cabeça. — Você pode ser, não sei, responsável pela… Floricultura?
— Mary — chamou Theodore — por que diabos uma base de exército precisa de uma floricultura?
Ela o repreendeu com o olhar. Mary sempre conseguia repreender as pessoas com aqueles olhos púrpuros enormes, por algum motivo.
— Eu estou tentando ser criativa aqui, Theo.
— Desculpe.
— Você só precisa participar, arranjaremos alguma coisa pra você contribuir sem ter que machucar os outros. — ela garantiu.
O pequeno assentiu, um tanto relutante.
— O.K.
— Pronto, missão cumprida. — anunciou Theo, aliviado. — Ainda bem que nossos senhores tem poucos Pokémons. Agora podemos voltar e…
— Ainda faltam três membros. — repreendeu Espurr, pensativa.
O Magikarp parou de andar e encarou a pequena de olhos púrpuros. Em seguida, soltou uma gargalhada cínica que até o fez lacrimejar.
— Você não está falando daqueles três, Maryzinha, meu amor. Eu sei que não está.
Ela o acompanhou com as risadas.
— Estou sim, bobinho. — e fez uma pausa, o encarando seriamente com um tom assustador. — Agora anda.
...
Distante o suficiente, onde a sombra da construção que estava sendo feita tampava o sol que chegaria a um pequeno casebre, ouvia-se murmúrios dentro da construção simples de madeira, que praticamente caía aos pedaços. Era um cubículo. Theodore e Mary caminharam até ele. O Magikarp ainda um tanto relutante, virou-se para a Espurr:
— Podemos ir embora, ninguém saberia
— Theo, quando um Guildmaster dá uma missão, você precisa cumpri-la! — alertou-o Mary.
Ele respirou fundo.
— Por que sempre fico com as piores tarefas?
O rapaz esticou e, após alguns longos instantes ouvindo seu próprio coração bater, resolveu dar alguns soquinhos na porta. Assim que o fez, rápido como um raio, escondeu-se atrás da garota, que sequer se moveu. Da porta, um pequeno retângulo se abriu, revelando um par de olhos verdes como safiras, mas cruéis como um redemoinho no oceano. Eles foram acompanhados por uma voz doce:
— O que querem aqui? — ou quase doce.
Silêncio.
— Eu perguntei o que vocês querem.
— Ah, nada, foi um engano. Pensei que aqui fosse o Centro Pokémon, desculpa. — falou Theodore, preparando-se para correr, mas tropeçando em seus próprios pés e caindo no chão antes.
— Temos um convite irrecusável pra vocês! — falou a menina com empolgação.
O retângulo foi colocado novamente a porta, tampando os olhos que antes podiam ser vistos. Alguns momentos depois, sons como de vários cadeados se abrindo ecoaram e a porta se abriu. Alguns pares de mãos os puxaram para dentro.
O lugar era tão feioso quanto aparentava ser por fora. Era ainda menor por dentro. Se é que era possível juntar sala de estar com cozinha e com quartos, essa era definição perfeita do casebre desgastado. Três pessoas curiosas encaravam os dois jovens, suficientes para intimidar Theodore.
Um rapaz alto e barbado os encarava, ao lado de um jovem — o mais baixo entre os três. — mal encarado vestido com roupas primordialmente enegrecidas, que estava no centro. De seu outro lado, a moça dona dos olhos e da voz anteriores tinha os braços cruzados. O mais chamativo eram seus cabelos vermelhos, que pareciam chamas no topo da cabeça. Ela parecia cruel.
Mary continuava sentada com uma expressão séria, como se nada tivesse acontecido, enquanto o Magikarp tremia o suficiente pelos dois. O fato de aparentar estar intimidado parecia agradar aos três que o encaravam. A ruiva olhou para eles e disse:
— Estou esperando.
O Magikarp fez uma expressão de quem não havia entendido.
— A proposta.
Mary se levantou repentinamente, animada, assustando os três, que se colocaram em posição de luta. Ela, sem perceber, começou a falar:
— Estamos montando uma guilda, e como são os Pokémons do senhor Charlie, gostaríamos muito que entrassem.
— Não estamos interessados. — disse a moça, a Litleo, de cara.
— Você nem sabe o que é isso, Gwen. — argumentou o garoto mais alto, o Skiddo.
— Cala a boca, Mason. — disse a menina. — Seja lá o que vocês estejam tramando, não nos interessa. Só porque nossos treinadores resolveram fazer um “grupinho” e sair em uma “jornada”, não significa que temos que ser amigos.
O silêncio perdurou por alguns momentos, preenchidos apenas por olhares duvidosos, até que Theodore o quebrasse:
— Boooom, o convite está feito, não queremos atrapalhar vocês, não se esqueçam de ir qualquer dia tomar um suco de Oran Berry, sim? — disse, puxando a menina, que não se moveu. — Vamos indo nessa.
Mary não saiu do lugar.
— Neal disse para convencermos eles a insegrar na guilda, eu vou fazer isso.
— É “ingressar”. — corrigiu, aos sussurros. — E eles não estão a fim, não percebeu?
Nesse momento, o ouro rapaz, que ainda não havia se pronunciado — o Pancham de Charlie — avançou em direção à menina. Aproximou seu rosto e a encarou. Ela se deparou com aqueles olhos enegrecidos, com olheiras marcantes que indicavam que este provavelmente não tinha boas noites de sono há tempos.
— Não queremos entrar para o grupinho de vocês. — falou, seco. — Agora dêem o fora.
Theodore, sem aguardar, saiu correndo levando Mary para longe, antes que fosse tarde demais. A garota provavelmente retrucaria, e ele não queria ver como isso ia acabar.
...
— Nós fizemos o possível, senhor, mas não deu… Eles foram muito cruéis, muito. — dizia Theodore, sentado em uma cadeira, com um copo de água com açúcar na mão.
— Tudo bem, Theo, já passou, já passou. — consolava Mary.
Neal, de braços cruzados, apenas ouvia. Já estava um pouco acostumado com seu companheiro Magikarp, e de fato não sabia o que esperar do recluso outro grupo de Pokémons. Talvez não fossem um acréscimo grande à guilda.
Sem dizer nada, foi andando até uma pequena casinha com beliches. Enquanto a guilda de fato era construída, e ninguém tinha seus quartos ainda, todos ficavam em um mesmo dormitório. Talvez um pouco incômodo, mas sabiam que era temporário.
O rapaz deixou por um momento parte da armadura e subiu em sua cama do beliche, deitando-se. Seus pertences também estavam lá, em um pequeno saco. Puxou de dentro um amontoado de papéis que havia recolhido de manhã, de um Fletchling carteiro. Era um jornal.
O garoto puxou a folha e a amassou, atirando para longe. Em breve a minha guilda vai estar na página principal. Era o pensamento que tomava sua mente. Faria o que fosse preciso, e sabia que não seria pouca coisa. Não seria mesmo. Em conjunto com os melhores integrantes, construiria o verdadeiro império da nova geração. Chegaria ao topo, e seria o melhor.
Topo. O melhor.
Puxou uma outra folha dos pertences, essa também um pouco amassada, ainda mais por ser fina. Nela, a foto de um vigoroso Garchomp. Um pôster, que Neal provavelmente apenas aguardava a oportunidade para pendurar novamente. Embaixo, a palavra “Lenda” estava gravada com letras douradas.
— Um dia chegarei ao seu nível. — sussurrou para a foto.
Fora interrompido por Theodore, que adentrava o dormitório correndo. No susto, Neal guardou novamente o pôster.
— Você está bem, senhor? — perguntou o Magikarp.
— Estou bem. E você? — indagou de volta.
— Estou melhor, sim. — respondeu ele, sorrindo.
— Hm, que bom. — disse Neal, fazendo uma pausa. — ENTÃO POR QUE ESTÁ AQUI PARADO? Temos um monte de coisas pra fazer antes que escureça. Vamos! — falou.
— Ai, como o senhor é rude às vezes. — comentou o Magikarp, voltando ao trabalho.
...
Já estava escuro, e o trio continuava colocando a conversa em dia. Ainda que fossem de poucas palavras com outrem, entre eles mesmos eram comunicativos. Desde seu convívio afastado em Lumiose, não haviam se visto mais. Agora, o destino os havia unido novamente nas mãos da única pessoa que mais poderiam considerar um treinador, e finalmente chamá-lo de “mestre”.
— … Claro que no dia antes eu já tinha encontrado a Gwen. Ela estava me perseguindo, provavelmente, porque você sabe que ela não resiste aos meus charmes. — contava Austin.
— O quê? Você que me encontrou, idiota. — falou ela, semicerrando o olhar.
O Skiddo riu.
— Ah, sim, verdade. Errei nos detalhes. Mas ei, você está muito estressada! — comentou. — Quer uma ajuda para desestressar? Soube que massagens são ótimas para isso.
Um repentino chute atingiu seu rosto, antes que pudesse prever a reação da garota. Thanos esboçou um ligeiro riso. Não importava quanto tempo passasse, seus amigos eram os mesmos de sempre. O Skiddo levantou-se, com a mão no local atingido.
— Não vai me dizer que doeu, porque foi fraco. — disse a Litleo, com um pequeno sorriso.
— Tá louca, menina? Depois dessa vou até tomar um ar lá fora.
Ainda que com algumas brincadeiras, o rapaz abriu a porta da cabana e saiu. Uma brisa fresca da noite resfriou sua pele e balançou ligeiramente seus cabelos. Aquele lugar que haviam escolhido era silencioso, e àquela hora as construções dos outros Pokémons estavam bem menos intensas. Foi quando algo quebrou o silêncio:
— As fronteiras de Lumiose City… Não são um local muito seguro para Pokémons indefesos ficarem, sabia?
Austin virou-se assustado para a direção de onde ouvira a voz, e se deparou com um homem sentado sobre o teto da cabana. Não parecia muito preocupado, sentado de uma forma despojada. Após alguns momentos saltou e chegou ao chão de uma forma simples, como quem não fizera grande esforço.
Austin ainda estava um pouco em choque com o susto quando parou para observar melhor aquela figura. Estava encapuzado, o que impossibilitava que se visse seu rosto exatamente. Apenas tinha seus olhos à mostra, nos furos do capuz: um par de orbes azul-escuros, como o céu noturno. Apesar disso era alto e forte, o que o deixava um tanto ameaçador.
— Você é o…? — apontou Austin.
— Onde está o meu amiguinho? — interrompeu-o. — Tenho certeza que ele iria ficar feliz em me rever.
Naquele momento Gwen gritou de dentro:
— Com quem você ta falando, Mason?
— C-Com ninguém, estou falando sozinho. — gritou ele de volta, inseguro. — Olha, sugiro que você vá embora daqui antes que eu meta minha mão na sua cara.
O par de olhos semicerrou-se, e provavelmente por dentro de seu capuz formara-se um sorriso.
— Proposta tentadora. — falou, aproximando-se alguns passos. Mason inevitavelmente recuou alguns para trás. — Mas não, obrigado.
Ao proferir as palavras, estendeu sua mão direita na direção de Austin. O rapaz, antes que pudesse reagir, conseguiu ouvir apenas um disparo de energia em sua direção, forte o suficiente para atirá-lo contra as paredes frágeis do casebre, abrindo um buraco e praticamente derrubando toda a deplorável instalação.
— MASON! — gritaram Gwen e Thanos, assustados.
— Rapaz, eu saio pra tomar um ar, e tomo é uma surra. — resmungou Austin, colocando a mão no rosto. Tremia. — Que mundo é esse?
Todos pararam para observar aquele que disparara o raio. Thanos, por um instante, perdeu seu olhar mal-encarado. Ficou estático, enquanto observava a figura encapuzada, que alongava o pescoço, enquanto seus olhos também o fitavam de volta em tom debochante.
— V-você? — indagou, um pouco mais baixo do que gostaria.
O homem começou a rodeá-lo. Ele permaneceu parado, apenas movendo os olhos, tentando não transparecer o quanto estava nervoso. Talvez tivesse sido inútil, pois engolira em seco quando ouviu a voz novamente do moço:
— Soube que você causou algumas intrigas em Lumiose, e resolvi tirar a limpo, velho amigo. — disse, enfatizando as últimas palavras com certo humor. — Afinal, já faz um certo tempo.
Cerca de cinco segundos de profundo silêncio rondaram o ambiente, enquanto todos permaneceram imóveis, como se alguém tivesse apenas pausado a cena. No instante seguinte, de forma repentina, Thanos desferiu um rápido soco, que teria facilmente acertado outros adversários, mas para seu azar, o homem desviou.
Sucederam socos e chutes trocados, quase no mesmo nível. O inimigo, entretanto, apenas brincava com Thanos, que dava o seu melhor diante das condições. Algumas palavras atravessavam o combate, sempre em diálogos breves e interrompidos
— Eu achei que você estivesse…
— Achou errado. — disse, interrompendo o Pancham.
Gwen ajudava Austin a se levantar, enquanto observavam atentos o combate. Até então não haviam se envolvido, mas notaram um chute certeiro que fora desferido na lateral do rosto de Thanos, fazendo o rapaz cair. O outro prendeu-o por cima e continuou acertando sua face com socos, quando Gwen avançou para tirá-lo de lá.
Após alguns empurrões falhos, a garota conseguiu apenas concentrar energia para gritar:
— Vá. Embora. — porém, ao proferir as palavras, o grito saiu bem mais agudo e baixo que planejava.
O objetivo, entretanto, fora quase atingido, pois ambos pararam de brigar. O homem encapuzado levantou-se, rindo.
— O que foi isso? Um “rugido”? — questionou, humilhando-a.
A Litleo baixou o olhar, enquanto seus punhos se fechavam. Antes de qualquer ataque, o rapaz virou-se para o Pancham, com um olhar autoconfiante.
— Foi bom ver você novamente, Thanos. Espero que saiba que da próxima vez não será assim tão agradável.
E com grande agilidade desapareceu nas sombras da noite, e nenhum dos três tentou impedi-lo. Um enorme silêncio permaneceu por alguns momentos, enquanto Austin agora auxiliava Thanos a se levantar. Gwen lançou um chute com força para uma das tábuas que faziam parte da cabana, quebrando-a no meio.
— Por que o estresse, gatinha? Só porque seu rugido é meio tosco e ele riu de você? — indagou o Skiddo.
Agora Austin que era o alvo do chute, mas não ficara bravo. Até riu discretamente. Ele levantou-se, parando para observar a bagunça que havia ficado. A cabana onde estavam antes estava destruída, e era praticamente impossível remontá-la.
— O que vamos fazer agora? — perguntou.
— Vamos dormir no chão. — disse Gwen, certa.
Mason ponderou por alguns instantes até virar-se para eles:
— Por que não vamos morar com os outros Pokémons?
Silêncio.
— Você não ta falando sério, né? — perguntou a Litleo.
— Qual o problema?
Ela riu, um tanto inconformada.
— Você pirou?
— Gwen, eles estão construindo um castelo. — falou o rapaz, estendendo os braços. — A gente não precisa ficar resistindo. Até o mestre Charlie topou andar com aqueles garotos. Eles não precisam saber que estamos indo só pra ter conforto. — piscou. — Penso nisso desde que os vi planejando a obra.
A garota virou-se para Thanos.
— Você segura e eu bato?
O rapaz limpou a poeira de sua roupa.
— Então vamos para lá.
Novamente o silêncio tomou conta, até que Austin começou a rir discretamente da amiga, que parecia incrédula. Ela seguiu o Pancham, tentando convencê-lo do contrário.
— Você ta zoando. — afirmou.
Ele levantou o braço, como se pedisse silêncio. Ela não conseguia enxergar seu rosto estando atrás, mas por algum motivo parecia que ele preferia assim.
Thanos jamais falaria qualquer coisa, mas sentia-se inseguro. Aquele momento fora suficiente para deixá-lo um tanto assustado. Mais do que gostaria. Talvez estando naquela guilda encontraria proteção, além de ter uma cama boa para dormir. Ter que aturar aqueles Pokémons sonhadores e felizes era um pequeno preço a ser pago.
— Vocês vem?
...
A passos lentos chegaram até o local onde os demais Pokémons estavam. Era um imenso campo aberto, onde aos poucos uma instalação imensa estava sendo construída. Ficaram observando aquele lugar por um momento, boquiabertos. Seria bem maior que a cabana em que se encontravam antes.
Espurr e Flabébé corriam pelas proximidades, até se depararem com os três e pararem de brincar. Ambos se aproximaram do trio, que os observou. Mary deu um sorriso com os olhos fechados, contente:
— Que bom que vocês pensaram melhor. — falou, com um tom aconchegante. — Neal, eles vieram mesmo!
O rapaz, que dialogava com algum dos Pokémons construtores, foi até eles, acompanhado — como sempre — por Magikarp. Claro que Theo tropeçou algumas vezes até chegar ao destino, mas no final estavam todos reunidos.
— Isso é muito importante. Estão fazendo uma escolha realmente próspera, garanto que não se arrependerão. — disse Neal, estendendo a mão para Thanos. — Bem-vindos.
Thanos apertou sua mão, e os dois trocaram um sorriso discreto, quase imperceptível. Nenhum dos dois era exatamente alguém muito simpático, e a princípio não haviam ido um com a cara do outro, mas naquele momento foram capazes de se juntar. O Larvitar, em seguida, prosseguiu:
— Ainda estamos com dormitórios provisórios até que a guilda fique pronta, mas estão convidados a eles. — falou. — Mas antes tomem um bom banho, parece que acabaram de sair de uma guerra. O garoto Calem teria um treco se os visse assim. — brincou. — Theodore, mostre a eles os alojamentos temporários.
— Sim, senhor. — concordou o Pokémon, os guiando.
Antes que Gwen continuasse andando, sentiu algo a puxando com pouca força. Quando se virou, viu Eryx, o Flabébé. Encarou-lhe com seus olhos verdes sem muita compaixão, porém surpreendeu-se quando viu que o garoto lhe estendia a mão com alguma coisa.
Era uma pequena flor.
— É pra mim? — perguntou a Litleo, tímida.
— É sim. — falou, sorrindo. — As flores são lindas, não são? Todos gostamos de ganhar.
Gwen não conseguiu permanecer neutra, revelando um pequeno sorriso para o garotinho. Crianças às vezes são capazes de fazer pequenos gestos que comovem qualquer um. Mesmo quando se veste uma proteção invisível contra os outros, como ela.
— Obrigada, garoto. — falou, continuando a andar.
...
Já era tarde, mas estavam todos reunidos em um círculo, pelas ordens de Neal. Este encontrava-se de pé em uma pedra, no centro. Virando-se sempre para fitar cada um de seus companheiros, iniciou o discurso:
— Companheiros, hoje damos o primeiro passo de uma extensa maratona. — falou. — Com toda a certeza não será uma jornada fácil a que estamos traçando. Mas, afinal, nunca é.
Fez uma pequena pausa e observou a construção. As estruturas já estavam ganhando forma, e muito em breve poderia chamar aquilo de guilda. Seus olhos escuros brilhavam intensamente ao pensar.
— Enfrentaremos os melhores e os piores, desde os mais compassivos até os mais cruéis. Encontraremos todos os tipos de guerreiros, e teremos o prazer de receber alguns deles um dia em nossa guilda. — proferiu, alto. — Mas não se esqueçam: Somos os originais, os fundadores desse novo império.
— E como se chama? — questionou Theodore.
Neal sorriu de canto.
— Guerreiros, sejam bem-vindos à Royal Emperium!