Capítulo 10
Luzes Brilhantes, Cidade Grande
Chegamos tarde em Lumiose, porém a primeira coisa que fizemos foi ir para o Centro Pokémon porque 1) A parte central e norte da cidade tiveram um apagão, ou seja, o símbolo mais icônico da cidade nem dava pra ser visto, a cidade das luzes estava quase sem luzes, 2) o pé da Katheryn ainda estava dolorido e 3) a Serena teve um surto de felicidade, e começou a falar coisas sem sentido, até que desmaiou, então concluímos que o melhor a se fazer era ir para o centro, embora estivéssemos realmente tentados a fazer alguma coisa.
A cidade era tudo aquilo que eu não imaginava. Jamais pensaria que existisse algo tão... Extenso. Por mais que um lado meu quisesse ver as coisas ruins, pensei em tudo aquilo que há de inexplorado. Tantas pessoas andando, tantas vidas no mesmo lugar, cada qual com seus próprios problemas, seus próprios desejos e… Droga, sai da minha mente, Serena.
Planejavam alugar um quarto de hotel, mas fora tão repentino que sequer tiveram chance de procurar outro lugar que não o Centro Pokémon. Era tarde e estavam todos exaustos, mas não conseguiram não esboçar expressões de surpresa ao se depararem pela primeira vez com uma das maiores cidades do mundo Pokémon.
Vários lugares abertos com luzes brilhantes convidando novos turistas a os adentrarem, pessoas de todos os tipos transitando pelas ruas, com roupas lindas em estilo Vintage. Cada centímetro do chão ou das paredes bem-acabado, detalhado. Carros passando — eles mal tinha visto carros em suas vidas. — Seus olhos não alcançavam onde as ruas cheias de luz terminavam. Viam apenas linhas finas que ao fundo pareciam formar uma torre, que deveria ser a tal famosa Prism Tower, a Torre Prismática.
Por instantes assim permaneceram, boquiabertos. Até mesmo as estrelas pontilhadas com cuidado no céu azul meia-noite pareciam se curvar diante do brilho daquela cidade magnífica. Sentiam todo o romance do ambiente, que parecia ser exalado das pessoas que caminhavam pelas ruas movimentadas e logo depois desapareciam no brilho dos grandes edifícios de Lumiose. Todos estavam sem reação.
Todos, menos Charlie.
Após perceberem que o melhor a se fazer era irem ao Centro Pokémon e aproveitarem apenas nas noites seguintes, logo foram ao hospital. Conseguiram um quarto no segundo andar e se espremeram todos no mesmo, encarando pela janela o movimento inquietante da cidade grande. De lá já conseguiam ver a outra porção da cidade totalmente enegrecida, sem qualquer resquício de luz, o que a fazia perder a identidade.
Charlie tocou suavemente o rosto de Serena com as mãos. A pele pálida da garota sequer se moveu com o toque, toda a exaustão dela a fez realmente cair adormecida. Ele cobriu-a com um edredom improvisado do Centro Pokémon e pendurou seu chapéu, deixando as madeixas louras caírem libertas pelo travesseiro.
Aldrick fazia o mesmo com Katheryn, enquanto Calem permanecia sentado sobre uma cadeira — coberta com um pedaço de plástico descartável do rolo que carregava consigo, claro. — encarando as pessoinhas andado de lá.
— Não vai querer a cama para dormir? — indagou Charlie, sussurrando.
Uma cama em um hospital público onde todos as pessoas e doentes de Kalos vão, por ser na cidade mais movimentada do continente, onde quase é possível ouvir o som da música na qual os germes estão dançando? Que ótima ideia!
— Não, pode ficar. — respondeu Calem.
Aldrick caminhou ligeiramente até a janela também, e admirou a vista por alguns segundos, até se pronunciar:
— Tenho de admitir que estou deslumbrado com essa cidade. Só vimos um pouco dela, mas mesmo assim… Ainda não acredito. Sempre morei em Santalune, então é difícil crer que há um lugar com tamanha concentração de gente.
Calem suspirou.
— Devo admitir que sempre encontro maneiras de criticar as coisas. — falou ele. — Mas ainda estou procurando os defeitos daqui. O barulho é um tanto irritante, mas sinto que tem tanto para ver por aqui…
— Não caiam nessa. — disse Charlie.
Os dois focaram os olhos nele.
— É tudo um golpe de Lumiose. Cartões postais bonitinhos, fotos da Torre Prismática iluminada, propagandas… O mundo inteiro baba por Lumiose, em Kalos, mas poucos realmente a conhecem de perto. Uma coisa é ficar uma semana em um hotel de luxo, outra é morar nas ruas fedorentas e sujas daqui.
— Não negue que esse lugar é lindo. — retrucou Calem. — Até eu estou começando a gostar daqui. O cheiro de café, as pessoas bem-vestidas…
— Por favor, guarde o papo de turista para depois. — ele fez um movimento com a mão, como se espantasse uma mosca invisível. — Se em uma semana vocês ainda quiserem ficar aqui, eu tiro o meu chapéu.
— Você não usa chapéu.
— Touché.
E assim, um a um adormeceram. Mas a cidade nunca adormecia. Ela sempre estava acordada.
...
Calem acordou com dor nas costas. Dormir sentado em uma cadeira de Centro Pokémon não era a melhor das idéias, ele sabia, porém, antes uma dor nas costas que uma doença viral. Charlie lia um jornal, enquanto Serena penteava seus longos fios dourados no espelho do banheiro. O rapaz se alongou e ouviu os ossos estralarem, como alguém que pisoteava uma caixa de cereais. O tempo estava propício para que andassem sem se preocuparem em suar, o frio de sempre.
— Onde estão o Aldrick e a Katheryn? — indagou ele.
— Saíram para tomar café. — Charlie não desviou os olhos do papel.
— O que faremos hoje? — indagou o jovem logo em seguida, sendo surpreendido por Serena, que saiu saltitando do banheiro com empolgação.
— TEMTANTACOISAQUEEUQUEROFAZERAQUIQUEEUNÃOSEIOQUEFAZERPRIMEIRO
QUETALSEAGENTE…
QUETALSEAGENTE…
Charlie segurou-a pelos braços, antes que começasse a ter um surto novamente:
— Calma, princesa, teremos tempo para fazer tudo na cidade do pavor.
— Do amor. — corrigiu-o ela.
— Foi o que eu quis dizer.
Calem pegou seus pertences para tomar um banho, quando avistou um pedaço de papel bem dobrado e arrumado na mochila. Ele pescou-o e releu, lembrando-se da carta que havia recebido algumas semanas antes, em Aquacorde, do suposto professor Sycamore. E estava, finalmente, em Lumiose, ou seja, poderia encontrá-lo.
— Charles. — chamou Calem, estendendo o papel para Charlie. — Você sabe onde fica o laboratório?
O rapaz correu os olhos pela carta, e procurou em suas memórias algo que dizia respeito ao suposto Laboratório Pokémon. Ele estalou os dedos e fitou os olhos castanhos de Calem, com perspicácia.
— O Boulevard Norte está bloqueado, assim como a parte central da cidade… — lembrou. — Por sorte, o Laboratório fica no Boulevard Sul, o que significa que podemos achá-lo.
Windsor acenou para ele com a cabeça, como se insinuasse que fez um bom trabalho. Mas antes que pudesse dizer qualquer elogio, Charlie prosseguiu:
— Talvez você precise da carta…
— Devolva.
— Desculpe.
...
Após abrirem as portas do Centro Pokémon, correram os olhos pela enorme rua em que se encontravam. Tinham que admitir que as ruas eram muito mais bonitas de noite, porém, sua atenção se voltava para cada canto visível. Os carros passando, as pessoas andando apressadas naquela manhã de quinta-feira, os altdoirs animados exibindo imagens dinâmicas constantemente, e o tráfico de um curioso Pokémon que até então nunca tinham visto.
Charlie bocejou.
— Vamos logo?
Os primos assentiram e apenas seguiram o rapaz, que parecia reconhecer o trajeto de cabeça — algo considerável, visto o tamanho da cidade. Serena estava radiante, sem saber para onde olhar. De dentro de um quarto isolado em sua mansão, para um mundo novo inteiro que não conhecia, e este também não a conhecia.
Charlie tinha que alertá-los constantemente para tomarem cuidado para não serem atropelados: seja por carros, pessoas ou Pokémons. As casinhas todas tinham um estilo diferente, embora um pouco semelhantes às demais de Kalos: Tinham um certo ar antigo, seja em sua construção cuidadosa ou na decoração interior e exterior nos mínimos detalhes, com flores características.
Assim que chegaram no local determinado, o encararam com mais calma. Uma construção grande, de três ou mais andares, com grandes janelas de vidro elaboradas com cuidado. Árvores nascendo ao redor, uma cerca dourada com pilastras de mármore rondando o ambiente para demarcá-lo, com grandes Pokébolas feitas de pedra bem trabalhada. Pelo menos por fora aparentava ser um lugar contemporâneo.
Ao entrarem, viram um piso de mármore claro, com paredes azul-celeste. Pilastras mantinham o andar de cima seguro. Um balcão no canto esquerdo do estabelecimento com uma secretária fazendo anotações calmamente. Quadros de Pokémons espalhados pelas paredes. Estaria vazio, se não fosse pela secretária e por um estranho sentado numa cadeira, lendo um jornal tão grande que cobria todo o seu busto.
Calem aproximou-se da senhora com a carta em mãos. Ela levantou o olhar para o rapaz de cabelos castanhos, soltando um “Pois não?” bem desanimado. Ele simplesmente mostrou-lhe a carta assinada para que ela pressionasse um botão e avisasse que estariam subindo até sua sala. A mulher indicou o caminho para o elevador.
Entraram no cubículo e ficaram se encarando, procurando o que fazer.
— Acho que a gente tem que apertar o botão com um “três”. — comentou Calem. — Já que é o terceiro andar.
Charlie revirou o olhar.
— Então aperte.
— Eu não, todo mundo deve apertar esse negócio com os dedos sujos.
— Posso apertar? — pediu Serena, recebendo um aceno positivo.
Os três se assustaram quando sentiram a “caixa” em que se encontravam se mexer. Entraram em um momento de pânico coletivo pelos trinta segundos até o elevador parar e as portas se abrirem. Saíram tentando manter a compostura, e se depararam com uma sala muito bonita.
Bem extensa, com o piso de mármore na maior parte coberto por um carpete rubro e as paredes azuis com quadros e certificados enquadrados pregados. Mesas com laptops ligados funcionando, mas ninguém utilizando. Estantes repletas de livros, os quais dando uma ligeira olhada, revelaram ser todos a respeito de Pokémons.
— Como você acha que é o professor? — indagou Serena.
— São sempre uns velhotes. — respondeu Charlie com tranquilidade.
Alguém, de repente, apareceu. Mas não era um velhote.
Um homem alto, de cerca de trinta e cinco anos. Olhos amendoados castanhos, barba rala que destacava seu sorriso. Cabelos castanhos compridos que mais pareciam não estar penteados — mas não significava que estava feio. — que caíam em tufos um pouco ondulados pela face. Ombros largos e um porte atlético, com um jaleco branco longo com um crachá escrito “Professor Sycamore”. Serena soltou um suspiro involuntário, o que em partes desagradou os dois rapazes.
— Bounjour, posso ajudá-los? — ele perguntou, com uma voz grave e rouca, e um sotaque sedutor.
Calem esticou a carta.
— Acho que posso fazer-lhe a mesma pergunta.
O professor pegou o bilhete e instantaneamente o reconheceu, soltando uma gargalhada descontraída.
— S’il vous plaît, me acompanhem. — fez um sinal com a mão.
Em uma divisão ao lado da sala, estava uma escrivaninha de madeira escura, bem organizada, e uma cadeira grande confortável. Sycamore sentou-se nela e virou-se de costas para o trio, e de frente para uma enorme janela que permitia a visão de todo o movimento da cidade. Ele encarou as pessoinhas andando pelas ruas de Lumiose por alguns instantes, e só então se virou para conversar com eles.
— Então creio que você o “Calem” a quem me refiro. — ele sorriu e olhou para a loura. — E você deve ser a Serena.
Ela assentiu, com uma risadinha.
— Pardon, mas acho que não ouvi a seu respeito. — disse ele para Charlie. — Porém, você me parece familiar. Já nos vimos antes?
Charlie meio que concordou com a cabeça.
— Já morei por muito tempo em Lumiose, e várias vezes. Com certeza você já me viu. — ele respondeu. — Mas se disser que me viu roubando qualquer coisa, vou desmentir.
Sycamore riu discretamente, fingindo ter entendido a piada. Ele jogou o peso para trás e apoiou uma perna sobre a outra, enquanto fazia uma pirâmide com os dedos, analisando Calem.
— Pois bem, temos assuntos a tratar, enfant. — disse, correndo os olhos por seus quadros. — Sendo direto, estou há algum tempo procurando por um assistente em meus projetos…
Ele fez uma pausa, já deixando subentendido o que prosseguiria dizendo.
— Vi nas notícias que vocês, os descendentes dos Windsor, estavam deixando sua casa para uma “pequena aventura”. Devo admitir que fiquei intrigado. — sorriu. — Telefonei para sua mansão por alguns dias para tentar saber um pouco sobre vocês, e descobri que você, jovem Calem, é um rapaz muito promissor.
— Eu sou? — ele indagou em seguida.
— Excessivamente estudioso, e com rápido aprendizado. Além disso, deixou o conforto de sua mansão para conhecer o mundo e os Pokémons! É exatamente tudo o que estou procurando! — Sycamore contou empolgado.
Calem olhou para sua prima, que estava um pouco cabisbaixa, e ele sabia porque. Assim, decidiu esclarecer aquilo.
— Na realidade, senhor, creio que está buscando aquilo que Serena tem. Só saí de casa por causa dela, e sequer tive vontade de fazê-lo. E aposto que ela será melhor em qualquer coisa que precise fazer. Seja lá o que você faça.
Sycamore sorriu.
— É verdade, mlle? — ele deu uma piscadinha para ela, o que a fez corar. — Seja lá qual dos dois tenha decidido ou deixado de decidir qualquer coisa, vocês são alguns dos poucos jovens que realmente estão saindo por aí com o objetivo de conhecer o mundo e os Pokémons.
— É exatamente o que eu quero! — concordou Serena.
— Pois bem, creio que seria uma grande falta de bom senso de minha parte querer aprisioná-los dentro de meu laboratório, portanto. — ele depositou uma das mãos no queixo, refletindo. — Sendo assim, imagino que vocês poderão me auxiliar com outros projetos.
Ele fez um sinal para que aguardassem ali, e deixou a sala pelo elevador, indo buscar alguma coisa.
...
— Kath, esses croissants são caros! Vai com calma, por favor! — exclamava Aldrick, exasperado.
Enquanto isso, Katheryn devorava o café da manhã em um dos vários cafés de Lumiose. O local tinha um cheiro agradável no ar, dos grãos moídos na hora, e dos pães fresquinhos que eram feitos e vendidos. Infelizmente, nada era barato.
— Chega, vamos embora.
Assim que a garota terminou de comer, saiu, irritada. O louro viu parte de seu dinheiro se esvair naquela saidinha, o que o fez pensar que não devia tê-la convidado para o café. Katheryn lambia os dedos engordurados para aproveitar os restolhos do sabor dos croissants em sua pele.
Eles cruzaram algumas lojas na Vernal Avenue, procurando algo para fazer. A menina aproveitava para ver as roupas e adornos, afinal, tudo era muito refinado em Lumiose, uma das capitais da moda de todo o mundo. Moda para humanos, moda para Pokémons, moda para Pokébolas. Conseguiram ver a Torre Prismática, porém, estava sendo consertada, e as obras não permitiam vê-la de muito perto. Porém, precisavam elevar suas cabeças para conseguirem ver seu topo.
Viraram para a esquerda em determinado ponto e chegaram no Bleu Plaza, onde um monumento em tons azul-acinzentados se estendia — um monumento de cerca de oito metros. — em direção ao céu. Era alto, sim, mas nem se comparava com a majestosa Torre Prismática. De lá, viam os fundos de casarões antigos e outros estabelecimentos, feitas com tijolos beges e janelas grandes. Pessoas aproveitavam o dia no lugar, conversavam, ou arrumavam outras formas de se divertir.
Os dois sentiram alguém cutucar-lhes o ombro, e se depararam com um homem baixinho, menor que os dois, de cabelos grisalhos e olhar suspeito. O homenzinho ficou os encarando incomodamente.
— Hã… Podemos ajudar? — perguntou Aldrick.
O homem olhou para os lados antes de responder.
— Estão a fim de comprar alguma coisa? — ele perguntou, baixinho.
— O quê? — indagou Katheryn. — Tá pensando o quê, a gente não usa essas coisas, é errado e…
— Não, não, não é isso. — o homem fez um “shh” com o indicador enquanto falava. — Pokémons. Eu vendo Pokémons.
— Isso é lícito? — perguntou Aldrick desconfiado.
O homem assentiu sem convencer muito.
— Vocês podem ter um dos mais poderosos Pokémons de todos, por apenas quinhentos Pokédolares!
O louro quase engasgou.
— O quê? Tudo isso? É um roubo! — ele respondeu, segurando no braço de Katheryn. — Vamos embora, Kath.
A garota permaneceu parada:
— Eu vou levar. — ela respondeu, fazendo seu companheiro estranhar completamente e entrar em desespero. — Você passa cartão de crédito?
O homem suspeito concordou, puxando de uma mochila uma máquina de cartão de crédito. Aldrick não parecia compreender:
— Desde quando você tem cartão de crédito?
— Desde que eu peguei do Calem. — ela respondeu.
— E como você pegou do Calem?
— O Charlie pegou e deu pra mim.
— E como o Charlie… — ele interrompeu sua pergunta ao perceber que soaria bem estúpida. — Esquece… Mas, de qualquer forma, isso é roubo.
— Não é roubo, é pegar emprestado. — ela respondeu, convencida. — E considero essa compra como um investimento do Calem em minha pessoa.
O homenzinho apenas sorria, vendo que sua venda funcionara bem. Aldrick ainda não estava de acordo, mas esperaria para ver como as coisas iriam se desenrolar. Enquanto isso, Katheryn pegou a Pokébola que o homem lhe deu e pareceu bem contente. Bastou um instante que desviassem o olhar, o senhor desapareceu completamente de vista — e dificilmente o encontrariam novamente naquela metrópole, ou seja, não havia devoluções.
— Isso não está me cheirando bem… — comentou o louro.
— Ai, para de reclamar. — retorquiu a menina. — Vamos logo ver do que esse tal Pokémon é capaz!
...
Sycamore trazia consigo uma caixa com alguns pertences. Ele retirou algo que instantaneamente chamou a atenção do trio. Um pequeno quadrado vermelho e preto, com vidro em seu centro. Após pressionar determinado botão, as partes vermelhas se afastaram, revelando que o pedaço de vidro era maior, e foi quando algumas imagens começaram a aparecer.
— Isso é uma Pokédex. — disse o professor. — Normalmente os professores dão-nas para novos treinadores, porém, estive avançando meus estudos para desenvolver esse modelo mais… Bonito.
O trio encarou-a como crianças olhando para um brinquedo novo.
— Porém, não há dados suficientes para completá-la, preciso que alguém colete os dados de tais Pokémons. Como nos velhos tempos. — ele sorriu, embora eles não tenham captado a brincadeira.
— E por que você não faz isso? — indagou Charlie.
— Não posso simplesmente colocar Pokémons no meu laboratório e olhá-los. Preciso de dados do comportamento e hábitos deles em seu habitat natural. E não posso deixar minhas pesquisas, principalmente agora. — explicou.
O professor colocou o objeto na mão de Calem.
— Você poderia fazê-lo por mim? — pediu.
Calem olhou para a Pokédex, e em seguida para os olhos brilhantes de sua prima. Embora fosse uma função definida a ele, não poderia aceitar, por seus motivos.
— É quase uma honra. — ele afastou o objeto. — Mas não acho que sou a pessoa certa a desempenhar esta tarefa. Minha prima é muito mais apta que eu. E, aliás, tenho tentado focar nas técnicas de treinadores, apenas.
Sycamore fez um sinal de desculpas e colocou o aparelho nas mãos da menina, que ficou o fitando, empolgada.
— Além disso, eu não poderia me dar muito bem com esta tarefa. — complementou.
O professor o olhou nos olhos.
— Por quê?
— O Calem tem Pokéfobia. — prontificou-se Serena.
Sycamore soltou algumas risadas, aguardando ser uma piada, porém percebeu as expressões sérias esboçadas nos rostos dos jovens, e parou de rir.
— Isso existe? — perguntou ele
Os dois olharam para Calem, que concordou com a cabeça, embora mantivesse o olhar baixo. O professor deu alguns passos pela sala, de forma que o som de seu sapato batendo no tapete fosse o único som, com exceção dos barulhos do andar de baixo.
— Medo de Pokémons? Não achei que veria alguém com isso, em toda a minha vida. — o pesquisador coçou o queixo por alguns instantes, refletindo. — E você disse que pretende ser um treinador.
— Eu já ganhei até uma insígnia. — ele mostrou uma caixinha com o símbolo do ginásio de Santalune.
O professor não evitou uma risada discreta. A situação era até mesmo cômica.
— Certo, então você é um promissor treinador com medo de seus próprios Pokémons. — ele concluiu, tentando manter a seriedade. — Eu poderia ver seu Pokémon?
Calem puxou a Pokébola de Larvitar e a fez lançar a criatura de pedra, que quase afundou o chão com seu peso, ao mesmo tempo que Calem deu alguns passos para trás. Sycamore se aproximou do Pokémon cautelosamente, o encarando bem de perto, nos olhos. Ficou instantes analisando em silêncio, até que se levantou com um estalo nos dedos.
— Seu Larvitar tem um olhar de impor respeito, algo bem típico de sua espécie, e talvez até um mais um pouco.
— “Mas”… — adiantou Charlie.
— Mas ao mesmo tempo são olhos tão tristes. Olhos solitários. É como encarar uma tempestade que nunca termina. — ele comparou.
Calem retornou seu Pokémon para a esfera, e permaneceu cabisbaixo. Charlie e Serena se entreolharam, sem muito o que dizer. Sabiam que o rapaz queria progredir, mas não sabiam como ajudar — principalmente levando em conta que seu próprio Pokémon não ajudava.
— Pois bem, primeiro você deve criar maior aproximação com os Pokémons. — disse o professor. — E apenas então terá que buscar seu respeito, je crois.
— E como farei isso? — perguntou Calem.
— Eu adoraria saber a resposta. — Sycamore falou, e voltou para sua cadeira, jogando os braços para o alto. — Mas deixemos isso por enquanto. Sei que Serena conseguirá me auxiliar com o projeto a que me refiro, e talvez auxiliá-lo com sua fobia.
Ele assentiu.
— Só uma coisa. — interveio Charlie. — Você falou alguma coisa sobre “outros projetos”. Não acho que estava se referindo apenas às Pokédex.
O professor sorriu.
— Drolê, vocês não deixam passar nada, não é? — ele fez uma pirâmide com os dedos novamente. — Infelizmente o outro assunto que eu teria a dizer deve ser omitido, pelo menos por enquanto. Tenho pesquisado junto de um colega a respeito de algo confidencial, e mesmo após sua descoberta, deveria ser mantido em segredo.
— Por quê? — perguntou Serena.
— Ora, porque poderia causar a destruição de Kalos se caíssem em mãos erradas. — disse o professor com simplicidade.
Os três o fitaram com surpresa nos rostos, mas Sycamore apenas se levantou e foi até o elevador. Fez um sinal, dando a entender que a visita pelo Laboratório Pokémon havia terminado, então os jovens apenas foram até a porta.
— Adorarei ter visitas de vocês enquanto estiverem na cidade. — disse. — Por quanto tempo pretendem ficar aqui?
— Apenas até eu conseguir, talvez, pouco possivelmente, mais uma insígnia.
Sycamore fez uma expressão de compaixão.
— Pardon, jovem Calem, mas com o blecaute, o ginásio ficou sem iluminação, e portanto demorará algumas semanas até ser consertado.
Charlie depositou a mão em seu ombro.
— Pensaremos em outra coisa. — falou.
Sycamore deu alguns passos até a porta, animado.
— Ah, Lumiose é fantastique! Não tenho dúvidas que encontrarão diversos afazeres por aqui. — ele sorriu. — E Serena, não se esqueça de voltar logo aqui para eu dar-lhe as instruções da Pokédex, droit? — e deu outra piscadinha que a fez corar.
O trio se despediu ligeiramente e saiu pelas ruas de Lumiose, indo de volta ao Centro Pokémon. Enquanto isso, um homem dentro do Laboratório colocou seu jornal de lado, revelando uma cabeleira ruiva, do mesmo tom que sua barba, e suas vestes elegantes.
— Quem são? — perguntou, dirigindo-se ao lado de Sycamore.
— Jovens promissores. — respondeu o professor, mantendo o olhar nos rapazes se distanciando. — Lhe interessou?
Ambos ficaram em silêncio, até que veio a resposta:
— Aquela garota… Ela parece intrigante. — falou.
— Sem dúvidas Serena é. — disse Sycamore, depositando as mãos no bolso de seu jaleco. — Acho que eles comprovam que a humanidade possui salvação. — concluiu o professor, só então olhando para o homem ao seu lado.
— Acho que esta resposta não está ao nosso alcance no momento. — respondeu-o.
O professor deu uma risada, se voltando para o elevador.
— Sempre cabeça dura, não é, Lysandre? — brincou ele. — Venir bientôt, temos pesquisas a fazer.
...
Finalmente o grupo teve a oportunidade de andar pelas ruas de Lumiose de noite. E, de fato, era muito mais bonito. Apesar de ainda ser bem movimentado, o período da noite parecia até mesmo… Romântico. Como se houvesse algo mais no ar, além do aroma de café. Algo na essência daquela cidade que deixava as pessoas mais apaixonantes e apaixonadas.
— Estou falando com uma legítima pesquisadora, agora? — perguntou Charlie indo para o lado de Serena.
A loura deu uma risadinha.
— Eu já disse que não farei nada específico, isso é apenas uma das várias coisas que quero fazer. E fico tão feliz em ser parte de algo importante! — contou, empolgada.
— De fato, auxiliar o professor representante do continente é algo para poucos. — concordou ele. — E então, o que está achando de Lumiose? Continua gostando? — perguntou.
— Claro, olha que maravilhoso, Charlie! Olha pra essas pessoas nas luzes da cidade, pra beleza de cada rua… Isso é muito maior do que qualquer lugar que eu poderia imaginar estar algum dia! — disse, com os olhos brilhando. — Eu ainda me pergunto o porquê de você não conseguir se empolgar tanto assim.
Charlie deixou um pequeno sorriso escapar pelos cantos de sua boca, com um olhar de compaixão.
— Eu estava errado, é mesmo lindo. — disse, por fim, recebendo um abraço da garota.
Charles, você pode enganar minha prima ingênua, mas não vai me enganar. O que tem de tão podre nessa cidade, capaz de fazer até mesmo você revirar os olhos? O que é? O que é?
— Calem? — indagou Katheryn. — Tenho algo a lhe dizer.
— Kath. — repreendeu Aldrick, sussurrando. — O que você pensa que está fazendo?
— Eu vou dá-lo pra ele, ué. — ela cochichou de volta. — É a melhor ideia, até porque o dinheiro é dele.
— Não pense que me engana. Eu sei que você só quer se livrar porque não gostou.
— Engano seu.
Aldrick pediu paciência para os céus, enquanto Katheryn voltou a abordar o outro amigo:
— Então, hoje vimos uma promoção super-ultra-uber legal, e compramos um presente pra você! — disse, mostrando a Pokébola. — Um dos Pokémons mais poderosos de todos!
— Mesmo? — perguntou o rapaz, sem relutância. — E o que isso vai fazer nas minhas mãos?
Ela deu de ombros.
— Sei que mesmo mijando nas calças cada vez que vê um Pokémon você irá ser um bom treinador pra ele. — respondeu.
Hã? Sentido?
— Pois vamos ver o que é.
Aldrick e Katheryn entraram em desespero.
— Não, não, melhor não! Não na rua, não é? Não vai querer que ele destrua tudo, certo? — diziam os dois, alternando entre si.
— Não tenho nada a ver com a vida dessa gente. — respondeu ele, parando em um canto, próximo a uma loja fechada.
Ele atirou a Pokébola e saiu correndo, já se prevenindo. Um conjunto de luzes brancas saiu da esfera bicolor, mas ninguém se abalou ao redor, como se apenas aquele pequeno feixe de luzes não fosse mais forte que os outros tantos da cidade para atrair sua atenção. Aos poucos foram se materializando em uma criatura, que assumia a forma horrenda e perturbadora, além de poderosa de um……
Peixe.
— Mas é um… É um…
— Um Magikarp. — disse Aldrick. — Perdão, Calem, o que aconteceu foi que…
— EU GANHEI UM PEIXE, E ELE PARECE LEGAL! SERENA, VEM VER MEU PEIXE! TENHO ATÉ VONTADE DE ENCOSTAR NELE E… Não, não chega a esse ponto, mas é bem mais simpático que esse Larvitar birrento. SERENA, OLHA MEU PEIXE!
Os dois ficaram encarando a cena, completamente abismados, enquanto Calem sapateava no mesmo lugar de animação — a cerca de dez metros do pobre Magikarp, que se debatia, precisando de água. — enquanto Serena também parecia empolgada por ser um novo Pokémon que ela conhecia. Charlie lançou um olhar repreendendo Aldrick e Katheryn, mas nada fez. Deixou a dupla de primos curtirem seu mais novo peixe, enquanto apenas observavam as pessoas irem e virem nas ruas iluminadas de Lumiose
.
.